• Mundo

    Sunday, 28-Apr-2024 17:22:42 -03

    eleições nos eua

    Novas leis dificultam acesso de minorias ao voto nos Estados Unidos

    MARCELO NINIO
    ENVIADO ESPECIAL A ST. LOUIS (MISSOURI)

    16/10/2016 02h00

    A quatro casas de onde Chuck Berry viveu e compôs alguns de seus clássicos, Percival Turner, 59, bate papo em sua varanda.

    O vizinho se surpreende quando Turner confirma que o "pai do rock" morou na mesma rua que eles, mas o desconhecimento desaparece quando a conversa vira para a atual campanha presidencial nos Estados Unidos.

    "O mais importante é todos saírem para votar. Quem não vota não existe. Não conta", diz Turner, funcionário público aposentado. O tom incisivo ecoa vozes dos anos 1950 e 1960, quando a luta pelo direito ao voto dos negros foi um dos principais propulsores do movimento pelos direitos civis.

    Chuck Berry, que completa 90 anos na próxima terça (18), subiu de vida e saiu faz tempo deste bairro empobrecido de St. Louis, no Estado do Missouri (meio-oeste). Muito mudou desde então, e os EUA elegeram um presidente negro. Mas a antiga ferida que jamais cicatrizou tem sido reaberta com uma série de medidas ao redor do país, que restringem o voto e atingem principalmente as minorias negra e latina.

    Com essas medidas em vigor em 14 Estados americanos, a eleição presidencial de 8 de novembro será a primeira sem a proteção total da Lei dos Direitos de Voto, de 1965, que proíbe a discriminação racial em eleições.

    As novas leis dificultam o registro eleitoral, encurtam o período de votação antecipada e exigem como condição para o voto documentos de identificação que milhões de americanos não possuem.

    No Missouri, junto com a votação para presidente os eleitores terão um plebiscito sobre como querem votar. Os legisladores republicanos convocaram a consulta para tentar mudar a Constituição e incluir a exigência de documentos de identificação do Estado com foto nas votações.

    "Se essa emenda passar, o voto não será mais um direito fundamental no Estado do Missouri", disse à Folha Denise Lieberman, advogada especializada em direitos civis e ativista em defesa do direito ao voto em Saint Louis. Ela diz que hoje a medida tiraria o voto de 350 mil eleitores no Missouri (do total de 4,5 milhões), que não têm documentos do Estado -ou têm, mas estão expirados.

    Os mais afetados são afroamericanos, idosos e jovens, além da população de baixa renda, que teria mais dificuldades para superar a corrida de obstáculos até a urna. Segundo Lieberman, a emissão do documento exige a apresentação de cópias das certidões de nascimento e casamento (ou divórcio) e um histórico judicial de quaisquer mudanças de nomes. Isso custa dinheiro e consome tempo em longas filas de diferentes escritórios.

    A emissão de cada documento custa entre US$ 10 e US$ 40, e os escritórios fecham às 16h, sem expediente aos fins de semana. Em muitos Estados é muito mais simples comprar uma arma. Sem falar que o custo pode aumentar. "Já tive cliente que gastou US$ 2.000 [R$ 6.400] para consertar os erros de grafia em seu nome nos documentos", diz a advogada.

    Editoria de arte/Folhapress

    MOVIMENTO AMPLO

    As regras eram bem mais flexíveis. Além do próprio título eleitoral, eram aceitos para votar carteira de estudante, documento militar e até contas em nome do eleitor.

    As mudanças em vigor neste ano de eleição presidencial são parte de um movimento mais amplo de restrição ao direito de voto, segundo o Centro Brennan de Justiça, da Universidade de Nova York, que monitora o assunto. Ele ganhou força a partir de 2010, quando legisladores de vários Estados introduziram centenas de medidas que tornaram votar mais difícil.

    Em todos os 14 Estados, a iniciativa é de legisladores republicanos, que alegam que as medidas são necessárias para evitar fraudes eleitorais. As restrições são vistas por muitos como manobra política —e não apenas porque o índice de fraudes comprovadas é mínimo.

    "Esses esforços têm sido apoiados intensamente pelos republicanos para atingir eleitorados inclinados aos democratas, particularmente pessoas de cor e eleitores jovens, apontou em artigo na revista "Rolling Stone" o jornalista Ari Berman, autor do livro "Give Us the Ballot: The Modern Struggle for Voting Rights in America" (Dê-nos a cédula: a luta moderna pelos direitos de voto na América).

    A histórica baixa popularidade dos republicanos entre os grupos mais afetados pelas restrições caiu ainda mais com Donald Trump como candidato do partido, motivando os legisladores a intensificar as restrições, diz o jornalista.

    Estima-se que 1,2 milhão de eleitores que votaram em 2012 em quatro Estados considerados decisivos ficarão sem voto em 2016 devido às novas medidas, com potencial impacto na corrida à Casa Branca.

    Edição impressa
    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024