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    eleições nos eua

    Repórter trabalhou por um dia na campanha de Hillary; leia o relato

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE NOVA YORK

    16/10/2016 02h00

    Num dos escritórios de Hillary Clinton em Nova York, o sentimento é de gratidão pelo republicano Donald Trump. "Ele facilita muito nosso trabalho", comenta Amanda, 25, voluntária da campanha democrata.

    Um dia antes, o "Washington Post" publicara vídeo em que o empresário se vangloriava de pegar garotas "pela xoxota", sem consentimento. Ao longo da semana, mulheres acusariam Trump de assédio (em geral, tentativas de beijá-las à força).

    Para o time que ajuda a ex-primeira-dama que luta para ser a primeira mulher na Casa Branca, Trump é o adversário dos sonhos. "O lema lá é 'Should I Stay or Should I Go'", outro rapaz brinca, comparando a letra do Clash ("devo ficar ou ir embora") com o impasse entre líderes republicanos sobre abandonar ou não seu presidenciável.

    Nicholas Kamm - 19.set.2016/AFP Photo
    Voluntários trabalham em escritório de campanha de Hillary em Charlotte, na Carolina do Norte
    Voluntários trabalham em escritório de campanha de Hillary em Charlotte, na Carolina do Norte

    Se fosse outro competidor, ele admite, os democratas poderiam estar encrencados. Hillary, afinal, está longe de ser a candidata ideal.

    Ela é vista como "mais do mesmo", parte de uma elite política que os americanos começam a rejeitar, e também como desonesta por 70% da população. A má fama é alimentada pela ideia de que ela sempre está escondendo algo.

    Às vezes, por usar um e-mail privado quando trabalhava como secretária de Estado —e apagar 33 mil mensagens antes de o FBI pedir que entregasse o conteúdo para investigação. Em outras, por não divulgar discursos remunerados que deu para bancos como o Goldman Sachs.

    Seu oponente nas prévias democratas, Bernie Sanders, chegou a ironizar: "Devem ser uma prosa shakespeariana". O site WikiLeaks vazou e-mails de seu chefe de campanha que reproduzem trechos das palestras, como uma para o Itaú, em 2013.

    "Meu sonho é um mercado comum no hemisfério, com livre comércio e fronteiras abertas", disse Hillary então. Como candidata, ela adota retórica anti-acordos internacionais, num momento em que a maioria dos EUA os culpa por levarem empregos para outros países.

    VELHINHOS

    É essa "impopular, mas necessária" candidata, como define Amanda, que eu defendo durante uma tarde, numa das filiais da campanha em Manhattan, três semanas após ter feito o mesmo por Trump. Não me identifico como jornalista e uso nomes falsos para preservar a identidade dos meus colegas voluntários.

    O time democrata não exige contratos (no QG de Trump, precisei assinar um me comprometendo a não "humilhar ou menosprezar" o candidato, sua família ou empresas.

    Se a campanha republicana é criticada pelo planejamento deficitário, aqui tudo é pensado nos mínimos detalhes. A tarefa do dia é ligar para a base democrata em Iowa que votará à distância, em geral por correspondência. Muitos são velhinhos com problemas de locomoção.

    Meu primeiro contato, Pearl, 99, é também meu primeiro fora eleitoral: "Já estou muito velha para estas crianças [Hillary e Trump] me convencerem de qualquer coisa".

    Mais receptiva, Juanita, 92, diz que está emocionada em votar numa mulher pela primeira vez. Pergunto se é hispânica, e a filha de alemães explica que seus pais a batizaram assim devido a uma antiga balada espanhola.

    SR. BOM CARMA

    Enquanto ela cantarola na linha, um latino cadeirante, que divide a bancada comigo e com uma senhora de 70 anos, aponta para uma cartolina na parede. O cartaz "minha melhor ligação foi" empilha papos de voluntários com eleitores, transcritos com canetinhas coloridas.

    Um deles telefonou para o Sr. Good Karma, ou Carma Bom, em português ("melhor sobrenome!!!"). Outro lembrou que Iris, de New Hampshire, recomendou o que fazer com o voto ("enfia onde o sol não bate").

    E teve o eleitor que prometeu votar em Hillary porque "é ela ou o oompa-loompa", comparando Trump aos ajudantes alaranjados de "A Fantástica Fábrica de Chocolate".

    O discurso do medo —no caso, de um presidente Trump— é abertamente usado para convencer as pessoas a irem às urnas. Como o voto não é obrigatório, as campanhas temem que o povo desista de sair de casa, desiludido com o baixo nível da corrida travada entre candidatos rejeitados por mais de 50%.

    Hillary trabalha para suavizar sua imagem, tida como robótica demais. Na semana passada, deu uma entrevista a uma garota de 11 anos, publicada na revista "Elle". Falaram sobre a vez em que a política, então no colégio, tentou disfarçar um corte de cabelo desastroso usando um rabo de cavalo falso. "Um amigo acidentalmente o puxou na frente de todo mundo, foi um pesadelo."

    Também contou que, no ensino médio, concorreu a presidente da classe e perdeu. Um colega a chamou de "muito estúpida" por achar que uma garota venceria. "Mas o garoto que ganhou me chamou para chefiar um comitê. Ou seja: ele era o presidente, mas o trabalho pesado era meu."

    Outra estratégia é reforçar o caráter histórico da eleição, já memorável ao ter a primeira presidenciável mulher por um dos dois principais partidos dos Estados Unidos.

    Por toda parte há menções à "madame presidente" e também a seu marido e ex-presidente, Bill Clinton —como no desenho de um sapato vermelho e um projeto de lei, seguido pela legenda: "Só porque você usa salto alto não significa que você não pode assinar leis [bills, em inglês] e administrar a Casa Branca com Bill".

    Outro trocadilho brinca com a expressão "hell, yeah" (literalmente, "inferno, sim", mas que em inglês funciona como "pode apostar"), que vira "Hill, yeah".

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