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    Campanha de baixo nível nos EUA tem efeitos colaterais sobre eleitores

    PATRICK HEALY
    FARAH STOCKMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    18/10/2016 07h00

    Em aulas de educação cívica do ensino médio, as temáticas habituais sobre partidos políticos e o Colégio Eleitoral deram lugar a expressões angustiadas sobre toque e violência sexual.

    Em sessões de terapia, os pacientes se sentem provocados e até mesmo retraumatizados pelas observações explícitas de Donald Trump sobre mulheres e sua forma de se gabar sobre como se impunha à vontade delas sem que nada acontecesse contra ele depois.

    Mary Schwalm/AFP Photo
    O candidato republicano, Donald Trump, fala em comício no Estado de New Hampshire no sábado (15)
    O candidato republicano, Donald Trump, fala em comício no Estado de New Hampshire no sábado (15)

    E em conversas antes e depois de cerimônias da igreja, o mau cheiro de decadência moral provocou discussões sobre o comportamento do ex-presidente Bill Clinton com uma estagiária da Casa Branca nos anos 90, e se a conduta dele foi, na verdade, pior do que a de Trump.

    "A maioria dos paroquianos não imaginava que teria de pensar sobre abuso sexual nessa campanha", disse o reverendo Stephen M. Koeth, um padre católico da igreja da Santíssima Trindade no Upper West Side de Manhattan. "É um momento doloroso na nossa cultura."

    Para eleitores de vários partidos, a corrida presidencial já estava feia, já havia se desgastado e já era dominada por dois candidatos que muitos eleitores consideravam deploráveis.

    E mesmo assim, nos últimos dias, isso conseguiu se tornar algo ainda pior: uma zona de penumbra da política em que vulgaridades e acusações de abuso sexual se tornaram itens de consumo nas semanas finais da campanha.

    SENTIMENTOS NEGATIVOS

    Entre muitos democratas, o desespero estabelece que o próximo presidente poderia ser, em suas cabeças, um predador sexual.

    Entre muitos republicanos, o desgosto que se generaliza é que a próxima presidente poderia estar casada com um homem que foi, na opinião deles, um adúltero em série, no melhor dos casos.

    Esses sentimentos negativos estão se intensificando, a julgar pelas multidões cada vez mais irritadas nos comícios de Trump e pelo apoio de tom íntimo e emocional a Hillary Clinton prestado pela primeira-dama Michelle Obama e outras pessoas.

    Parece estar garantido agora que o resultado das eleições se parecerá a uma violação do corpo político para uma metade do país ou para outra.

    "Eu estava preparado para considerar os comentários de Trump sobre mulheres repulsivos, mas não estava preparado para ver que esses comentários iriam afetar as pessoas de forma tão profunda", disse Larry Iannotti, psicoterapeuta de Nova York, que acrescenta que a fanfarronice de Trump abalou vários dos seus clientes que sofreram abuso sexual. "De repente, a eleição está causando uma dor real que as pessoas não esperavam."

    Tratou-se de algo profundamente pessoal para Nicole Smith, uma mulher de 22 anos, de Phoenix, que concorreu a Miss Arizona. Ela disse que estava com raiva porque seu pai e outras pessoas iriam votar em Trump mesmo sabendo que ela mesma havia sido várias vezes tocada e assediada. Ela afirmou que sempre carrega um taser (arma de choque) porque não se sente segura na maioria dos lugares.

    "Caras, vocês falam em me proteger", ela conta que disse aos homens do seu círculo que apoiam Trump. "Mas a verdade é que vocês vão votar em alguém assim. Então como vocês podem me proteger quando vão votar em alguém do qual tentam me proteger?"

    SEXO

    Em entrevistas na semana passada com duas dúzias de eleitores de todo o país, muitos deles apontaram rapidamente, mesmo sem terem sido perguntados, que tanto Hillary como Trump eram os piores ofensores em temas como comportamento perturbador em relação às mulheres.

    O sexo não só tomou as rédeas da discussão política, senão que a própria conduta sexual em si se tornou politizada, com os eleitores discutindo sobre que tipo de comportamento inadequado era pior. Suas respostas refletiam muitas vezes o candidato que apoiavam.

    Para alguns eleitores, os duros comentários de Hillary sobre algumas mulheres que haviam estado sexualmente envolvidas com seu marido, e o pensamento de Bill Clinton retornar à Casa Branca, são repugnantes.

    Trump atiçou esse desconforto na semana passada, ao aparecer publicamente com várias mulheres que acusaram o ex-presidente de má conduta e ao levá-las ao segundo debate presidencial.

    Darwin Rieck, fazendeiro e apoiador de Trump em Luzerne (Iowa), disse que estava consternado com o fato de que o comportamento sexual tivesse se tornado uma dimensão da corrida presidencial, e acusou a campanha de Hillary e os meios de comunicação de exagerar a questão para ferir Trump.

    "Agora só falamos sobre os encontros sexuais que ele supostamente teve —só falamos disso!", disse Rieck. "Como os Clintons podem falar sobre isso, com o que Bill fez quando estava na Presidência? Eles não podem falar sobre nada!"

    Desde o debate, quando Trump negou categoricamente ter feito investidas indesejadas, pelo menos nove mulheres apareceram para acusá-lo de tocá-las ou beijá-las à força.

    O destaque dado a essas acusações vem preocupando profundamente pais, que descrevem a luta para que seus filhos não ouçam os detalhes sórdidos.

    EFEITOS CASCATA

    Mas o foco no abuso sexual teve outros efeitos cascata também: o número de ligações para a linha nacional da Rede Nacional de Estupro, Abuso e Incesto saltou para aproximadamente 800 por dia, em comparação às cerca de 600 anteriormente, disse Scott Berkowitz, presidente e fundador do grupo.

    Apesar de as pesquisas mostrarem que os eleitores estão preocupados principalmente com a economia e com o terrorismo, o estrondo de atenção negativa ao comportamento sexual de Trump o está afetando entre eleitores do sexo feminino e independentes, de acordo com pesquisadores republicanos.

    Mas o apoio a Hillary não subiu de forma visível, um sinal de que muitos republicanos ainda não veem Trump como moralmente inaceitável —pelo menos em comparação com os Clintons.

    Para Richard Rapp, professor de estudos sociais em Nova York, a civilidade na política não é uma causa perdida.

    Na High School for Environmental Studies (colégio de estudos ambientais), na última sexta-feira (14), ele orientou os alunos mais velhos durante uma participação em uma aula de governo, em um debate animado sobre Trump e Hillary, e gentilmente os persuadiu a se concentrarem em posições políticas, e não no banho de lama.

    Vários alunos estavam perplexos com o fato de que Trump ainda tivesse alguma chance.

    "Se você está concorrendo à Presidência, não é desqualificador falar de forma desrespeitosa sobre as mulheres?", perguntou Genesis Luna, uma garota de 16 anos do Bronx. "Não é desqualificador se você fizer coisas desrespeitosas com as mulheres?"

    "O que você acha?", disse Rapp.

    "Acho que deveria ser", disse Luna. "Mas ouvi falar que Bill Clinton tratava as amantes mal. Quem é pior, Bill Clinton ou Trump?"

    Mais alunos entraram na discussão, enquanto Rapp guardava suas opiniões para si. Mas depois ele disse que ouvir a gravação de Trump se gabando de haver tocado mulheres fez com que se lembrasse de quando assistiu às audiências conduzidas pelo Senado em relação ao escândalo Watergate em 1973, quando ele estava na faculdade.

    Uma vitória de Trump em novembro, disse Rapp, seria o equivalente a manter Richard M. Nixon na Casa Branca, apesar do Watergate.

    "Tenho a mesma sensação agora que eu tinha naquele momento: ´Nosso governo virou isso?´", disse. "Se Trump vencer, com todas essas acusações sexuais por aí, o que isso diz sobre nós como país?"

    Tradução de DENISE MOTA

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