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    eleições nos eua

    Recusar derrota nas urnas eleva risco de violência, diz autor sobre Trump

    MARCELO NINIO
    DE WASHINGTON

    22/10/2016 02h00

    Ao recusar-se a dizer se aceitará o resultado da eleição presidencial, o candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, rompe pela primeira vez uma tradição da democracia americana, e aumenta o risco de que a polarização política no país acabe em violência.

    É a opinião de Scott Farris, autor do livro "Quase presidentes", sobre os candidatos presidenciais que foram derrotados nas urnas. "Numa democracia pluralista como a nossa, essas obrigações cívicas é que mantêm as coisas sob controle", disse em entrevista à Folha.

    *

    Folha - Qual será o impacto se Trump perder e não reconhecer a derrota?

    Scott Farris - Seria algo sem precedentes. No passado, alguns candidatos adiaram a concessão, em parte porque achavam que o resultado ainda estava em dúvida, mas no fim das contas reconheceram a derrota e parabenizaram o vencedor. Não é um requerimento, mas faz parte de uma importante tradição americana. Numa democracia pluralista como a nossa, essas obrigações cívicas é que mantêm as coisas sob controle.
    Quando essas tradições não são respeitadas, há um grande prejuízo para a democracia. A atitude de Trump diz é muito perigosa e acho que ele não entende a gravidade do tema.

    Não é a primeira vez que um candidato presidencial duvida dos resultados. Quais os exemplos?

    Um exemplo sempre citado é o da eleição de 1960, em que Richard Nixon perdeu para John Kennedy. Os historiadores tendem a reconhecer a probabilidade de terem ocorrido fraudes nos Estados de Texas e Illinois, que ajudaram Kennedy a se eleger. Mas os democratas também alegaram que houve irregularidades em Ohio que ajudaram Nixon, portanto houve queixas dos dois lados, e alguns dos resultados não foram totalmente corretos.
    Nixon pensou em contestar o resultado, mas algumas coisas precisam ser entendidas. Não temos um único processo nacional de eleição, mas 51 [incluindo o Distrito de Columbia, onde fica a capital federal, Washington]. Cada Estado tem o seu próprio processo eleitoral. E ainda assim, na maioria dos Estados não há um mecanismo para contestar resultados eleitorais. O trabalho das autoridades é organizar as eleições e contar os votos. Se alguém diz que elas não foram justas, não há um foro estadual para investigar se houve irregularidades. E mesmo quando elas são detectadas, quem cuida disso são os tribunais.
    Nixon entendeu que seria quase impossível mudar o resultado da eleição e estava muito preocupado com a incerteza que isso iria causar no país, era o auge da Guerra Fria e ele não queria que houvesse dúvidas entre aliados e inimigos dos EUA sobre quem seria o presidente.
    Além disso, ele era um político que queria voltar a candidatar-se, sabia que se quisesse ser presidente não convinha ser visto como um mau perdedor, por isso chegou à conclusão de que não era do seu interesse contestar o resultado. Os comentários de Trump são mais perturbadores porque ele não é um político convencional e provavelmente não será candidato à Presidência de novo, portanto não está sendo inibido por sua própria ambição.

    A campanha de Trump tem dito que os democratas também contestaram a eleição, em 2000, quando o vice-presidente Gore perdeu para George W. Bush.

    É muito diferente. O que aconteceu em 2000 não foi que o vice-presidente Gore contestou o resultado da eleição, mas foi tão apertado que ele pediu uma recontagem. O que, de fato, é obrigatório em muitos Estados quando o resultado é muito apertado. O que Gore fez foi tentar contestar como as recontagens estavam ocorrendo. Mas quando o Supremo entrou em cena e determinou que a recontagem estava concluída com a vitória de Bush na Flórida, o vice-presidente fez um discurso positivo concedendo a derrota, afirmando que o partidarismo deve ceder ao patriotismo, repetindo uma frase de outro perdedor, Stephen Douglas, que foi derrotado por Abraham Lincoln em 1860.

    Jonathan Ernst/Reuters
    Donald Trump, candidato republicano à Presidência dos EUA, em comício de campanha em Fletcher, na Carolina do Norte, nesta sexta-feira
    Donald Trump,em comício de campanha em Fletcher, na Carolina do Norte, nesta sexta-feira

    A concessão da derrota é uma tradição, mas não uma obrigação. Quais podem ser as consequências se Trump romper a tradição?

    Não é uma obrigação e não há punição caso ele não aceite a derrota. É simplesmente uma cortesia e um momento muito importante no processo democrático. Eleições não terminam quando o vencedor declara vitória, mas quando o perdedor concede a derrota. Vimos em muitos países em que isso não acontece, o perdedor alega fraudes e às vezes ocorrem revoltas e até guerra civil.
    Aqui a punição é dos eleitores. A maioria dos americanos quer acreditar que o processo é justo. Quem questiona isso geralmente paga um preço político. A preocupação com Donald Trump é que ele não é um político e provavelmente não irá mais concorrer a um cargo, mas parece ter aspirações de abrir um canal de TV. Espero que ele leve isso em consideração, porque se ficar claro que perdeu e ele não aceitar o resultado, Trump pagará um preço em opinião pública, que atingirá a sua reputação e sua conta bancária.
    Tudo depende do que ele dirá na noite da eleição. Se ele fizer o tipo de discurso que faz em seus comícios, sugerindo que houve irregularidades cometidas por grupos específicos, insinuando que a maior incidência de fraudes ocorre em cidades com grandes populações negras... somos um país com 300 milhões de armas, isso é algo muito perigoso, pode encorajar alguns de seus seguidores a cometer alguma imprudência.
    Mas acredito que Donald Trump perderá por uma maioria decisiva, o que tornará mais fácil para seus seguidores aceitar a derrota.

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