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    Após protestos de 2012, denúncias de estupro sobem 40% na Índia

    ISABEL FLECK
    ENVIADA ESPECIAL A NOVA DÉLI

    24/10/2016 02h00

    Adnan Abidi/Reuters
    Demonstrators listen to a speaker during a protest against the release of a juvenile rape convict, in New Delhi, India, December 20, 2015. The youngest of six people convicted of the 2012 gang rape of a woman, in a case that shocked India, was freed on Sunday, a lawyer said, after a court refused to extend his three-year sentence. The case turned a global spotlight on the treatment of women in India, where police say a rape is reported every 20 minutes, and the sentence sparked debate over whether the country is too soft on young offenders. REUTERS/Adnan Abidi ORG XMIT: DEL208
    Protesto em 2015, em Nova Déli, contra a liberação do mais novo dos envolvidos na morte de Jyoti

    Um cartão pendurado no retrovisor do carro sinaliza: "Este táxi respeita as mulheres". O aviso, que é, na verdade, o certificado de um curso para sensibilização de taxistas criado há dois anos em Nova Déli, evidencia a insegurança que ainda é parte indissociável do cotidiano das mulheres no país.

    Desde o fim de 2012, quando veio à tona o caso brutal da estudante Jyoti Singh, que morreu após ser estuprada por seis homens em um ônibus na capital indiana, governo e sociedade se viram obrigados a discutir a violência contra as mulheres em todos os seus níveis.

    Em abril de 2013, foi adotada uma nova legislação sobre o tema. A forte reação popular fez crescer também em 40% o número de denúncias de estupro e quase dobrar os registros de agressão na Índia desde 2012.

    Em 2015, foram contabilizados quase 35 mil casos de estupro no país —ou seja, uma mulher violentada a cada 15 minutos. No Brasil, foram 47,6 mil casos em 2014, segundo dados oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

    Especialistas dizem, contudo, que o número está muito aquém da realidade no país, já que grande parte das vítimas não registra a denúncia por temer não só a vingança do agressor —95,5% dos estupradores são pessoas conhecidas— mas também seu isolamento na sociedade.

    "A grande conquista dos protestos de 2012 foi reconhecer que temos um problema. Antes, isso era negado e apenas a vítima era culpada pela violência", diz Amitabh Kumar, porta-voz do Centre for Social Research (CSR), organização que apoia mulheres vítimas de violência.

    Kumar, que classifica os casos de estupro no país como uma"epidemia", afirma, no entanto, que tem sido "lenta" a implementação de medidas sugeridas por comitê formado após o caso de Jyoti para atualizar o código penal.

    Isabel Fleck/Folhapress
    Mensagem no retrovisor de carro em Nova Déli, Índia, diz: "este táxi respeita as mulheres"
    Mensagem no retrovisor de carro em Nova Déli, Índia, diz: "este táxi respeita as mulheres"

    A nova lei adota grande parte das sugestões, como a ampliação da definição de estupro —antes considerado só quando houvesse penetração da vagina pelo pênis—, a criminalização de outras formas de violência —como assédio sexual e voyeurismo— e o endurecimento da punição para estupradores, prevendo, inclusive, a pena de morte para reincidentes.

    Outras medidas, no entanto, como o fim de um exame invasivo realizado nos órgãos genitais das vítimas e a criação de tribunais específicos para casos de violência contra a mulher, ainda não foram colocadas em prática na maior parte do país.

    MENTALIDADE

    O caráter essencialmente punitivo das orientações adotadas até agora também é alvo de críticas de mulheres e organizações que trabalham pela defesa de seus direitos.

    "É necessário muito mais do que medidas punitivas. É preciso um debate mais amplo, mudar a mentalidade das pessoas no dia a dia", afirma Ananya Sharma, 27, estudante de doutorado na Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Déli.

    Ela cita o exemplo do vagão exclusivo para mulheres no metrô e o uso de mais câmeras de fiscalização —mudanças adotadas pelas autoridades de Déli, mas que "não resolvem o problema" sem conscientização.

    "Não é uma questão de proteger a mulher, mas de educar os homens para não cometerem violência", diz.

    Em agosto, o ministro do Turismo, Mahesh Sharma, lançou um alerta para que mulheres visitando a Índia não usassem saias e evitassem sair à noite sozinhas para "sua própria segurança".

    A declaração foi contestada por reforçar a ideia de culpa da vítima.

    "Todos os dias temos que pensar que roupa devemos vestir, onde podemos ir e se é a melhor hora para ir até a um lugar. Esse comentário só piora a situação", diz a estudante Simple Rajrah, 22.

    O comitê que orientou a mudança na legislação em 2013 sugeriu a inclusão do debate sobre violência sexual nas escolas, mas a proposta não foi contemplada.

    "Algumas escolas em Déli preveem a discussão, mas ainda é uma realidade distante no resto do país. Precisa ser obrigatório", diz Kumar.

    Violência em Números

    CASAMENTO

    Uma das principais críticas à lei de 2013 é a não inclusão do estupro dentro do casamento como crime.

    Segundo o texto aprovado, a relação sexual entre marido e mulher, sendo esta maior de 15 anos, não é estupro.

    Com isso, em casos como o de Prisha (nome fictício), 26, que procurou o CSR após quatro anos sofrendo agressões do marido, que a trancava em um quarto para forçar a relação sexual, não há crime. "Demorei a entender que, mesmo casada, eu não precisava passar por isso."

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