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    Marinheiros libertados contam que piratas os torturaram por anos

    JEFFREY GETTLEMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    26/10/2016 12h20

    Os tripulantes do Naham 3, um barco de pesca com espinhel, nunca vão se esquecer do dia em 2012 em que desapareceram.

    Na madrugada de 26 de março desse ano, em algum lugar nas águas azuis profundas do oceano Índico ocidental, perto das ilhas Seychelles, uma lancha pequena emergiu da escuridão e avançou sobre o Naham 3 em meio a disparos.

    "São piratas! Piratas!", gritou o capitão.

    Tyrone Siu/Reuters
    Shen Jui-chang (centro), um dos marinheiros libertados por piratas somalis
    Shen Jui-chang (centro), um dos marinheiros libertados por piratas somalis

    Seguiram-se quatro anos e meio de cativeiro, durante os quais os tripulantes foram espancados com varas de bambu, comeram ratos para sobreviver e foram mantidos sob a mira de armas no calor abrasador do deserto somali por um bando de piratas que pensavam que ganhariam milhões de dólares com eles.

    Tudo acabou no último fim de semana. Os piratas finalmente cederam, aceitando uma quantia menor para libertar os 26 tripulantes sobreviventes, depois de um dos cativeiros mais longos já sofridos por reféns de piratas.

    Os membros da tripulação se reuniram em um hotel de Nairóbi na segunda-feira (24) para falar da provação por que passaram. Usando roupas doadas e com sorrisos estampados nos rostos, mais pareciam integrantes de um time esportivo em suas camisetas polo azuis iguais e sandálias novas. Os marinheiros vêm de diversos países asiáticos, entre os quais Filipinas, Vietnã, China e Camboja.

    "Alguns de meus colegas diziam 'não vamos voltar para casa nunca, vamos morrer aqui'", contou um dos ex-reféns, Antonio A. Libres Jr. "Mas eu não. Nunca desisti de ter esperança."

    Marinheiro filipino, Libres pareceu estar quase confuso, sem entender como seus sequestradores puderam ser tão desalmados. "Os piratas são piores que animais", falou. "Não dá para entender essa gente."

    O problema da pirataria somali diminuiu em relação a cinco anos atrás, quando dezenas de navios eram sequestrados e os piratas ficavam esperando milhões de dólares embalados a vácuo caírem do céu (essa era a maneira mais comum de entregar resgates: embalar maços de cédulas em plástico a vácuo e jogá-los de aviões em paraquedas).

    As empresas de transportes marítimos acabaram se precavendo e empregando guardas armados para disparar contra as lanchas de piratas. A segurança adicional, somada à intensificação das patrulhas marítimas com navios ocidentais, freou a pirataria desvairada. De acordo com o programa de combate à pirataria da União Europeia, não houve ataques de piratas somalis contra embarcações comerciais em 2015, e nenhum ataque foi registrado este ano, sendo que houve 176 ainda em 2011.

    Mesmo assim, dezenas de marinheiros sequestrados anteriormente ainda estão em cativeiro. Negociadores trabalharam anos para libertar a tripulação do Naham 3, embarcação de bandeira omani sequestrado quando pescava atum perto das Seychelles.

    No final, os negociadores tiveram a ajuda de líderes de clãs na Somália para persuadir os piratas a aceitar uma quantia relativamente pequena para cobrir os custos de manter os reféns no cativeiro por 1.672 dias. Eles não revelaram o valor em questão, mas disseram que não era "nada" comparada ao resgate exigido inicialmente pelos piratas.

    Os tripulantes contaram que muitas vezes tiveram que sobreviver com apenas um litro de água por dia no deserto somali, onde a temperatura normalmente era superior a 38 graus centígrados. Recebiam tão pouca comida que eram obrigados a montar armadilhas para capturar ratos, aves e gatos-do-mato para comer. O pior, segundo eles, foi ver três de seus colegas morrer –dois deles por doenças e um que foi fuzilado.

    "Se eu lhe dissesse todos os palavrões do mundo, não seriam suficientes para descrever os piratas", falou outro marinheiro filipino, Arnel Balbero.

    Mas, para ele, não adianta continuar revoltado com o que aconteceu. "O que se pode fazer? O importante é começar de novo."

    Balbero disse que esse novo começo vai acontecer em terra. Ele prometeu à sua família que nunca voltará ao mar.

    Tradução de Clara Allain

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