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    Ilegal é enterrado como 'Zé Ninguém' na fronteira entre EUA e México

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    ENVIADA ESPECIAL A HOLTVILLE (CALIFÓRNIA)

    30/10/2016 02h00

    Não dá para saber suas histórias de vida. Quem quer que tenham sido, suas identidades hoje estão sob sete palmos, numa parte não asfaltada e sem estrutura do cemitério Terrace Park, em Holtville (Califórnia), cidade de 6.200 habitantes a poucos quilômetros da fronteira que separa EUA e México.

    Lá se enterravam, até 2009, imigrantes não identificados que morreram ao tentar cruzar o limite americano ao sul –região com desertos, desfiladeiros, montes e 20 mil agentes da Patrulha da Fronteira.

    Apu Gomes/Folhapress
    Cemitério Terrace Park, na Califórnia, onde estão enterrados anônimos mortos ao cruzar fronteira
    Cemitério Terrace Park, na Califórnia, onde estão enterrados anônimos mortos ao cruzar fronteira

    São 12 fileiras com cerca de 40 covas cada. A maioria é demarcada por um tijolo onde se lê "John Doe", o equivalente em inglês a "Zé Ninguém". Numa minoria há nomes (Nicolas Estrada, Rafael Aguilar), mas não os detalhes de praxe em lápides, como "pai amado" ou "marido devotado".

    Ativistas de direitos humanos costumam enfeitar os túmulos no dia 2 de novembro, o Dia de los Muertos, feriado de comoção nacional no México. Quando a reportagem esteve lá, a duas semanas da data, restavam flores já secas de anos passados.

    Há também cruzes improvisadas com dois pedaços de madeira, pintadas com cores fortes e que levam palavras ora em espanhol ("esperanza"), ora em inglês ("be free", seja livre).

    De outubro de 2014 a setembro de 2015, 240 pessoas colapsaram na travessia, segundo dados da guarda federal. É a menor incidência nos 18 anos que compõem a série histórica, cujo período mais mortal abrange os mesmos 12 meses entre 2004 a 2005, com 492 vítimas –a recessão americana começaria pouco depois, ajudando a frear o ímpeto de se arriscar nas bordas americanas.

    TRUMP

    O presidenciável republicano, Donald Trump, começou sua campanha prometendo deportar todos os que estão no país sem autorização –cerca de 11 milhões de pessoas, sendo 100 mil brasileiros, segundo o Instituto de Políticas de Migração (MPI, na sigla em inglês).

    Depois retrocedeu: a princípio, só os "hombres malvados". "Ao menos dois milhões, pensem nisso, dois milhões de imigrantes criminosos estão no país agora."

    O MPI estima que sejam 820 mil, 7,5% do contingente de pessoas vivendo ilegalmente nos EUA. Já estudo de 2010 da Comunidade Americana de Pesquisas mostrou que 1,6% dos imigrantes homens entre 18 e 39 anos eram presidiários, contra 3,3% de americanos na faixa etária.

    A má fama dos imigrantes não se deve só ao medo nem sempre justificado de cometerem crimes contra os cidadãos "legítimos". Mais do que surrupiar carros e carteiras, eles roubariam empregos, por aceitarem trabalhar por salários menores e sem direitos trabalhistas.

    "Muitos americanos não acham que se beneficiaram da globalização e seu ideal de fronteiras abertas. Esse argumento atinge em cheio esse grupo", diz à Folha o presidente do Instituto de Políticas Públicas da Califórnia, Mark Baldassare.

    A imigração desacelerou. Entre 2007 e 2014, a população hispânica subiu cerca de 2,8% a cada ano. Nos anos 1990, a média era de 5,8%.

    Mas eles continuam vindo –e alguns, morrendo no caminho. "Hipertermia ou hipotermia, acidentes com pedestres e trens, atropelamento por carros em estradas interestaduais e afogamento em canais são formas incomuns de morrer para todos os seres humanos nos EUA, exceto um tipo –imigrantes sem documentos que tentam atravessar a fronteira", diz estudo da Universidade de Houston sobre o tema.

    A sensação térmica se avizinha a 50° C na região. Desidratado, o corpo entra em estado de choque, e antes do colapso os viajantes podem sofrer alucinações.

    James Nielsen, 32, agente da Polícia da Fronteira na Califórnia, conta à Folha que é comum resgatar imigrantes deixados para trás por coiotes –apelidos daqueles que, mediante pagamento, viram condutores dos que tentam atravessar a fronteira.

    "Os coiotes abandonam quem está atrapalhando o grupo. A gente encontra os imigrantes às vezes dias depois, e eles ainda acreditam que seus coiotes voltarão para buscá-los." Mas quem é vivo nem sempre aparece.

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