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    Reeleição de Daniel Ortega gera incertezas na Nicarágua

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    07/11/2016 16h42

    A expectativa de que o esquerdista Daniel Ortega (Frente Sandinista de Libertação Nacional) venceria de forma arrasadora a eleição presidencial na Nicarágua foi confirmada nesta segunda (7), quando números da contagem da Suprema Corte Eleitoral lhe conferiam mais de 71% dos votos. Ortega, 70, no cargo desde 2007, assumirá em janeiro seu terceiro mandato consecutivo, e quarto no total (foi presidente também entre 1985-1990).

    Tal perspectiva já se desenhava desde que o mandatário expulsara a oposição do Congresso, tirara a licença do único partido não alinhado ao governo (Partido Liberal Independente) que pretendia ter candidato próprio e proibira que observadores internacionais acompanhassem o pleito.

    Oswaldo Rivas - 6.nov.2016/Reuters
    Daniel Ortega, Nicaragua's current president and presidential candidate from the ruling Sandinista National Liberation Front, shows his ink stained thumb to the media beside his wife Rosario Murillo after they casting their vote at a polling station during Nicaragua's presidential election in Managua November 6, 2016. REUTERS/Oswaldo Rivas
    Ao lado da mulher e vice Rosario Murillo, Daniel Ortega mostra dedo manchado com tinta após votar

    "Foi uma eleição de nicaraguenses, em que nicaraguenses votaram e nicaraguenses contaram os votos, sem forças estrangeiras interventoras", justificou Ortega, após votar, na noite do domingo (6).

    A oposição, deixada de fora da disputa, contesta os números oficiais. Enquanto a Corte afirma que 65% dos 3,8 milhões de eleitores compareceram para votar, grupos como a Frente Ampla para a Democracia e o Movimento de Renovação Sandinista afirmam que a abstenção foi de cerca de 70%. Jornais oposicionistas exibiram imagens de centros de votação com poucos votantes e fotos de caixas com material eleitoral quase vazias em vários pontos do país.

    Se a vitória de Ortega "já estava cantada, não havia o que fazer", nas palavras do cientista político Óscar René Vargas à Folha, a eleição nicaraguense deixa algumas questões sobre o futuro a curto e médio prazo da Nicarágua.

    PODEROSA VICE

    A primeira interrogante será o novo papel que assumirá sua mulher, Rosario Murillo, 65, agora vice-presidente. Popular e carismática entre os nicaraguenses de extrato social mais baixo, Murillo já era a porta-voz oficial do governo, e também exercia, de maneira informal, os cargos de ministra de relações exteriores e de chefe de gabinete. Era popularmente conhecida como "copresidente" e até comparecia a eventos diplomáticos no exterior representando Ortega.

    Agora, chega à vice-presidência depois de percorrer largo caminho político. Começou na guerrilha sandinista durante a oposição ao regime autocrático dos Somoza. Tem, porém, formação muito mais sofisticada que o marido, que conheceu nos anos 1970, quando ambos estavam no exílio. Estudou advocacia e idiomas na Inglaterra e na Suíça, fala várias línguas e escreve poesia.

    Voltou ao país após a derrubada de Somoza pela Revolução Sandinista (1979), foi editora de jornais engajados, atuou em instituições culturais e, desde que o marido assumiu o cargo, em 2007, está todos os dias, ao meio-dia, em cadeia nacional, dando informes aos nicaraguenses sobre os feitos do governo. Entre eles, as obras públicas e os planos de assistência social que ajudaram a fazer com que a pobreza no país caísse de 43% para 30% nos últimos anos. Estes também são anunciados por todo o país em cartazes que levam sua assinatura à mão como marca.

    No programa, Murillo também telefona para mães de crianças doentes, ex-guerrilheiros sandinistas que lembram passagens da Revolução e faz discursos políticos de tom esotérico, nos quais defende que o país seja guiado por um governo que misture Deus e socialismo.

    Sua marca mais evidente em Manágua, a capital, são as árvores coloridas, chamadas de "árvores da vida" que considera serem o símbolo do regime que transformou a Nicarágua, segundo ela, num país feliz, "onde todo dia é festa, como se todo dia fosse o dia de Natal". Murillo é, também, uma católica fervorosa.

    Ao anunciar que ela seria sua companheira de chapa, Ortega disse que a ideia era dar mais espaço às mulheres, dentro do espírito revolucionário do sandinismo. A oposição, porém, vê no movimento apenas uma entrega de poder familiar, como se o casal estivesse inaugurando uma nova dinastia, como a dos Somoza, que governou a Nicarágua por quase 50 anos.

    O fato de que, agora, Murillo terá um cargo mais importante pode marcar uma mudança de estilo de governo. Enquanto Ortega é mais calado e sisudo, Murillo pende para o populismo e tem amplo apoio feminino, principalmente entre as mulheres mais humildes.

    A oposição chama a atenção, também, para o aumento do número de outros familiares no governo. Alguns dos sete filhos do casal ocupam cargos importantes, entre eles, a principal petrolífera do país e redes de meios de comunicação.

    OPOSIÇÃO

    A segunda interrogante que fica da votação deste domingo é como se comportará a oposição. Nos últimos meses, não surgiram vozes capazes de amalgamar os que estão contra o regime. "Quem quis se opor apenas não saiu para votar. Houve intensa convocação ao não-voto, porém local e difusa", diz René Vargas.

    Como nos últimos anos Ortega aproximou-se do Exército, da Igreja e dos empresários, analistas políticos ouvidos pela Folha apostam que a oposição ao governo orteguista tem mais chances de surgir das próprias dissidências e da velha guarda do sandinismo, como o MRS (Movimento de Renovação Sandista), da esquerda independente ou de agrupações liberais como o ex-PLI e seu líder, o economista Eduardo Montealegre.

    ECONOMIA

    A terceira questão a ser respondida pelo casal presidencial é como lidará com a expectativa de uma desaceleração econômica. Apesar de a média de crescimento do PIB nos últimos anos ter sido de 4%, em 2017 esse panorama deve mudar. Primeiro, porque terminam as injeções de verba oferecidas pelo aliado político na região, a Venezuela, por conta de sua crise interna. Em sete anos, o regime chavista entregou um total de US$ 4 bilhões (R$ 12,8 bilhões) para os planos sociais de Ortega.

    Em segundo, porque os EUA estudam revisar a ajuda que forneciam ao país, o segundo mais pobre da América Latina, caso se confirme a tendência de centralização de poder pelos Ortega-Murillo.

    Sem ambas as ajudas, a Nicarágua ficará mais exposta à crise regional, à queda do preço do petróleo e à desaceleração mundial.

    Suas apostas para enfrentar a situação passam pela aliança que fez com o empresariado, aprovando leis e adotando políticas neoliberais, e com a Igreja, ao brecar, no Congresso, o andamento de legislações pró-aborto e matrimônio gay.

    Outra carta na manga que lhe dá esperança é o canal interoceânico que planeja, ao associar-se a uma empresa chinesa, que cruzaria o país e competiria com o Canal do Panamá.

    Por fim, a esperança de Ortega é vender a investidores estrangeiros uma das qualidades da Nicarágua no contexto da América Central, que é o fato de ser um país livre das guerras de gangues e da violência que têm feito recordes de homicídios em países da região, como Honduras e El Salvador. Devido a uma política de linha-dura com as Forças Armadas, Ortega tem conseguido manter a Nicarágua, por ora, de fora dessas cifras sangrentas que assustam investidores.

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