• Mundo

    Friday, 03-May-2024 06:53:08 -03

    eleições nos eua

    Análise

    Mídia dos EUA falha do início ao fim da campanha eleitoral

    ROGÉRIO ORTEGA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    08/11/2016 14h46

    Num ano cheio de acontecimentos improváveis –Leicester City vencendo a Premier League inglesa pela primeira vez em seus 132 anos, Chicago Cubs quebrando um jejum de 108 anos no beisebol, um bilionário apresentador de reality show tornando-se candidato à Presidência dos EUA–, a mídia da maior potência global falhou no início e no fim do terceiro desses casos de homem-mordendo-cachorro, o longo processo eleitoral que se encerra nesta terça-feira (8).

    Começando pelo começo: tanto a imprensa tradicional como a dita "nova mídia" demoraram a levar a sério a candidatura de Donald Trump–pecado cometido, aliás, por vários de seus concorrentes no Partido Republicano– e a investigá-lo com o rigor necessário quando se trata de um postulante à Casa Branca.

    Talvez o melhor exemplo disso seja o site "Huffington Post", que se recusou a editar notícias sobre a campanha de Trump na seção de política (elas continuaram aparecendo sob a rubrica "entretenimento") até ser atropelado pela realidade.

    AFP
    Donald Trump e Hillary Clinton, candidatos à Presidência dos EUA
    Donald Trump e Hillary Clinton, candidatos à Presidência dos EUA

    Mas não é só a nova mídia que tem culpa nesse cartório: redes de TV como CNN e Fox deram bastante espaço ao Trump pitoresco, "polêmico", capaz de atrair audiência e gerar cliques para seu mix de jornalismo e entretenimento, coisas às vezes perigosamente indissociáveis.

    Dois chefes de redação de jornais tradicionais –Dean Baquet, do "New York Times", e Martin Baron, do "Washington Post"– fizeram recentemente o mesmo tipo de crítica às TVs, o que no entanto não exime da mesma falha, em maior ou menor medida, os veículos que comandam.

    Em todos, o tom da cobertura só mudou depois que o magnata foi oficializado como candidato republicano e denúncias contra ele, como as de assédio sexual, começaram a vir à tona. Antes da convenção republicana, nem um estatístico como Nate Silver, do site "FiveThirtyEight", acreditava que Trump se viabilizasse –em maio, num texto de "mea culpa", Silver admitiu ter errado por agir como "pundit" (um comentarista opinativo) em vez de se apoiar na estatística.

    O fato de Trump ser o que é e dar bastante trabalho aos sites de checagem de fatos–recurso utilizado de modo muito mais intenso neste ano, tanto no pleito americano como nas eleições brasileiras– não deveria, porém, eximir a candidata democrata, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, do mesmo tipo de escrutínio. E aqui chegamos aos problemas da reta final.

    Num episódio controverso, Hillary usou um servidor privado para o envio de e-mails enquanto chefiava o Departamento de Estado–erro que ela mesma reconheceu depois. Na semana passada, a revelação do chefe do FBI, James Comey, de que novos e-mails aparentemente ligados ao caso estavam sendo investigados foi recebida por parte da mídia não só com os questionamentos necessários à polícia federal e à candidata, mas com uma atitude difícil de não classificar como torcida: "Bem agora, numa eleição difícil, o FBI vem com essa?".

    No domingo (6), o FBI reduziu a pressão afirmando que a revisão das mensagens fora feita e não se descobrira nenhum indício de crime envolvendo Hillary. Mesmo levando em conta essa fundamental diferença, a repercussão soou incomodamente parecida com as reações à ação da Polícia Federal brasileira na Operação Lava Jato. Tudo somado, talvez a campanha de 2016 tenha deixado a política dos EUA mais parecida com a do Brasil –e isso não é um elogio.

    Edição impressa
    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024