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    Análise

    Trump terá que trair seu eleitor para governar bem

    RAUL JUSTE LORES
    DE SAO PAULO

    09/11/2016 11h30

    O mundo retrocedeu diversas casas na madrugada desta quarta (9). Donald Trump se elegeu dizendo que a mudança climática era "um embuste criado pela China". Terá a possibilidade de indicar alguns juízes para a Suprema Corte alinhados com seu pensamento. Os republicanos conseguiram maioria na Câmara e no Senado.

    Ele prometeu acabar com novos acordos de livre comércio, "punir" China e México, e deportar 11 milhões de imigrantes sem papéis –responsáveis por boa parte da competitividade americana. O eleitor americano que se abarrota de produtos chineses baratos no Walmart e se alimenta com o que os mexicanos plantam no solo da Califórnia não deve ter calculado isso.

    Joe Raedle/AFP
    Donald Trump discursa após vencer a eleição para presidente dos EUA
    Donald Trump discursa após vencer a eleição para presidente dos EUA

    Como é um bilionário que admitiu não ter pago impostos federais nos últimos vinte anos, nem conta como rejeição ao establishment –da qual ele pertence e representa a pior facção, a que não inova e se exime da responsabilidade de contribuir com seu quinhão.

    Também foi a vitória da desinformação e do ressentimento. Sim, as bolhas informativas das redes sociais, que transformam boatos em verdade e nos isolam de quem pensa diferente, saíram ganhando. Para quem só assiste a Fox News, acredita em teorias conspiratórias no Facebook ou fica ouvindo os locutores racistas, xenófobos e politicamente incorretos das conservadoras rádios americanas, o terrível declínio dos EUA já chegou.

    Comparado à Europa, ao Japão e aos múltiplos problemas da China, os EUA continuam sendo um marco de resiliência e inovação, mas quem acredita em fatos? Trump usou slogans fáceis para problemas complexos, como qualquer caudilho latino-americano. "O sistema não me representa" deve ter repercutido em muitas cabeças.

    O antigo cinturão industrial americano do Meio-Oeste, antes democrata, abraçou o populista. Empregos bem pagos para gente com pouco estudo se mudaram para a Ásia (onde boa parte dos produtos com a marca Trump é feita) e provocaram essa revolta dos ainda privilegiados –a classe média baixa e branca americana tem um padrão de vida mais alto que boa parte do mundo.

    Mas teorias racionais são inúteis no momento. Barack Obama tem uma aprovação de 56% em último ano de mandato, um recorde nas últimas quatro décadas, apenas atingido por Ronald Reagan ao derrotar a União Soviética. Muita gente que aprova o governo Obama votou no republicano que passou anos acusando o primeiro presidente negro de ser estrangeiro.

    Há vários derrotados claros. O politicamente correto saiu nocauteado nesta madrugada. Trump zombou de pessoas com deficiência em palanques, passou anos criticando mulheres gordas, chamou imigrantes mexicanos de estupradores e falou de proibir a entrada de muçulmanos no país. Seu vice, Mike Pence, acredita em terapias para "curar" homossexuais. Quem preferia os bons tempos de escárnio liberado a essas minorias, sentiu-se representado pelo apresentador que demitia gente na TV.

    A mídia americana vai precisar ajoelhar no milho por um bom tempo. Em nome de um suposto equilíbrio, deu muito mais destaque ao escândalo dos emails privados de Hillary do que à tolerância de Trump aos extremistas racistas da Ku Klux Klan. Desconfiou mais da ética de Hillary por seus emails, do que de Trump solicitando ajuda de hackers russos para invadir comunicações privadas. A admissão gravada de assédio sexual feita pelo novo presidente americano só rendeu um escândalo de curta duração.

    Entre a candidata nada espontânea e que não representava novidade para os mais jovens, e o cara "autêntico" e bom de gogó, venceu o entretenimento. "Contra tudo que está aí." Trump terá que moderar muito seu pensamento e sua fala, tirar a fantasia de candidato polêmico e trair seus eleitores para produzir um fiapo de otimismo.

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