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    Análise

    Eleição nos EUA mostra que analistas precisam sair da bolha

    ROGÉRIO ORTEGA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    12/11/2016 02h01

    Andy Kropa/AP
    FILE - In this May 16, 2016 file photo, Michael Moore attends the 20th Annual Webby Awards at Cipriani Wall Street in New York. Moore premiered a surprise film about the U.S. presidential election on Tuesday, Oct. 18, 2016. "Michael Moore in TrumpLand" features a one-man stage show of Moore discussing the race. (Photo by Andy Kropa/Invision/AP, File) ORG XMIT: PAPM101
    O cineasta Michael Moore, que previu a vitória de Donald Trump em Estados dominados por democratas

    "[Donald Trump] não precisa do Colorado ou da Virgínia. Só de Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin. E isso será suficiente. É isso que vai acontecer em novembro."

    Quem escreveu isso em julho, acertando tanto os Estados-pêndulo em que Trump ganharia –todos vencidos por Barack Obama em 2012– quanto aqueles em que Hillary Clinton levaria a melhor (Colorado e Virgínia), foi Michael Moore, o documentarista de "Tiros em Columbine".

    Como quem conhece seus filmes sabe, não é alguém que morra de amores pelo magnata: no mesmo texto, publicado em seu site e traduzido pelo "Brasil Post", ele classifica como "sociopata" e "palhaço desprezível" o atual presidente eleito dos EUA.

    Como é possível que Moore, chamado de "bufão militante" por alguns de seus críticos, tenha acertado o resultado mais de três meses antes do pleito enquanto gente paga para isso (jornalistas, analistas políticos) e modelos estatísticos –no dia da eleição, o do "New York Times" dava a Hillary 84% de chance de vencer– atiravam tão longe do alvo?

    As respostas talvez envolvam um misto de metodologia defasada (apontada por especialistas em entrevista a Daniel Buarque, desta Folha, 15 dias antes do pleito), juízos preconcebidos sobre o eleitorado –não ratificados pelos números– e autoengano puro e simples.

    Embora a média das sondagens compiladas pelo site "Real Clear Politics" mostrasse Hillary só três pontos à frente de Trump (na margem de erro, portanto), modelos como o do site "FiveThirtyEight", abastecidos por dados de pesquisas, atribuíam a ela 72% de chances -erro menor que o do "NYT", mas ainda equivalente a cobrar o pênalti e acertar a bandeirinha de escanteio.

    Em texto publicado após a eleição de Trump, Harry Enten e Carl Bialik, do "FiveThirtyEight", alegaram que o problema não é tão incomum assim –"pesquisas em recentes eleições, nos EUA e fora, erraram por margens tão grandes quanto" (o que faz indagar qual é, afinal, a serventia delas)– e basicamente culparam as sondagens que alimentaram seu modelo.

    Outros veículos partiram para a autoflagelação. "A mídia não percebeu o que acontecia, e era uma dessas histórias que só se veem uma vez na vida", escreveu Jim Rutenberg, o crítico de mídia do "NYT".

    "Toda a deslumbrante tecnologia, o 'big data' e os modelos sofisticados das redações (...) não evitaram que o jornalismo, mais uma vez, não conseguisse acompanhar a história e o restante do país", afirmou Rutenberg, para quem, se a mídia não consegue descrever o cenário político de modo realista, ela fracassa numa de suas missões mais básicas.

    Agora, depois do pleito, sabemos que Trump obteve 29% dos votos dos latinos, mais que Mitt Romney em 2012, mesmo com seu agressivo discurso anti-imigração -e apesar de analistas tratarem "latinos" como segmento sem divisões e unanimemente inclinado a votar em Hillary.

    Sabemos também que gente que aprova Obama (56%, recorde) votou agora no magnata. E podemos intuir que 60 milhões de eleitores de Trump não se enquadrem todos na categoria pejorativamente chamada de "white trash" (brancos pobres, sem escolaridade, racistas etc.)

    Mesmo sem esses dados, até um Michael Moore foi capaz de ver que Estados industriais afetados pela globalização, como Michigan, poderiam optar por Trump desta vez.

    Falta aos analistas, além de afinar os instrumentos estatísticos, sair da bolha na qual não é possível que "gente de bem" opte por um candidato como o bilionário, esforçar-se para entender o que são os EUA hoje e em que os democratas vêm falhando. Até porque, na democracia, não é factível a solução ironicamente proposta por Brecht -demitir o povo e contratar outro melhorzinho.

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