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    Muçulmanos denunciam perseguição de governo hindu na Índia

    ISABEL FLECK
    ENVIADA ESPECIAL A NOVA DÉLI

    21/11/2016 02h00

    Isabel Fleck/Folhapress
    Pessoas caminham pelo bairro de Jamia Nagar, que concentra muitos muçulmanos, em Nova Déli
    Pessoas caminham pelo bairro de Jamia Nagar, que concentra muitos muçulmanos, em Nova Déli

    Em outubro, a comissão criada pelo governo indiano para discutir mudanças nas leis do país divulgou um questionário sobre o estabelecimento de um código civil único. A ideia é consultar a população, até dezembro, sobre a opção de uniformizar as leis em temas como casamento, adoção e herança, hoje determinadas por cada religião.

    Para os muçulmanos, no entanto, essa é a mais recente tentativa do primeiro-ministro Narendra Modi de marginalizar a minoria –que representa 14,2% dos indianos, mas, com 172,2 milhões, é a terceira maior população muçulmana do mundo, só atrás da Indonésia e do Paquistão.

    Desde que Modi, do partido nacionalista hindu BJP (Bharatiya Janata Party), assumiu o poder, em 2014, os muçulmanos do país se dizem perseguidos e enumeram decisões do premiê ou de governos estaduais do BJP que teriam, segundo eles, por objetivo atingir o grupo.

    Entre elas, estão a criminalização, em diferentes Estados, de quem abate vacas, comercializa ou come carne bovina –uma parte importante da dieta de indianos muçulmanos. Com o projeto de um código civil único, o que se discute é o fim da poligamia –permitida pela lei islâmica– e da prática muçulmana do "talaq triplo" (quando o marido pode se divorciar da mulher apenas pronunciando a palavra "talaq" três vezes).

    "Estamos preocupados com as intenções do atual governo, que tem sistematicamente perseguido minorias religiosas e estabelecido sua agenda de tornar a Índia uma nação hindu", diz Abdul Matin, presidente do YFDA, organização de universitários muçulmanos em Nova Déli.

    Para Ishtiaq Shauq, 24, mestrando em Filosofia pela Universidade Jawaharlal Nehru, a situação da minoria foi "de mal a pior" quando Modi e o BJP chegaram ao poder.

    Chandan Khanna/AFP
    Muçulmanos indianos rezam na mesquita Jama Masjid, em Nova Déli, em julho
    Muçulmanos indianos rezam na mesquita Jama Masjid, em Nova Déli, em julho

    Ele, porém, é dos muçulmanos que culpam o premiê mais por não controlar os extremistas de seu partido e grupos nacionalistas do que por ter uma atitude negativa em relação ao grupo. Recentemente, a tensão entre hindus e muçulmanos cresceu em universidades do sul do país –em uma delas, o uso de burqas e hijabs foi proibida, assim como de barbas longas por homens.

    "O silêncio criminoso de um primeiro-ministro tão veemente é o reflexo do tipo de mudanças pelas quais estamos passando desde que ele assumiu", disse.

    Hilal Ahmed, professor no Centro para o Estudo de Sociedades em Desenvolvimento, em Déli, concorda: "Modi não fez nada que possa ser descrito como antimuçulmano, mas abriu o caminho para um discurso antimuçulmano."

    Em Jamia Nagar, bairro que, por concentrar boa parte da população muçulmana de Déli, é chamada de "Pequena Paquistão", é praticamente impossível encontrar alguém que apoie Modi.

    Nas ruas estreitas, o vendedor Mohamed Sufiyan, 21, resume o sentimento da comunidade: "nada do que Modi decida é bom para os muçulmanos –nem ele, nem o BJP".

    O bairro é, na verdade, um gueto, para onde os muçulmanos começaram a se mudar depois de não conseguirem se estabelecer em outros locais de Déli –e onde dizem se sentir seguros. "Os muçulmanos enfrentam problemas em alugar uma casa em determinados locais por causa da percepção negativa que os outros indianos têm", diz Matin.

    Sufiyan diz ter medo de circular por outros bairros da cidade à noite. "Além do que certamente serei parado por um policial perguntando o que estou fazendo ali."

    A estudante de Engenharia Mecânica Tahera Saman, 20, é um exemplo do isolamento ao qual muçulmanos optam por segurança: ao se mudar de uma cidade de maioria muçulmana no interior para Déli, decidiu estudar numa universidade muçulmana e morar em Jamia Nagar. "É mais seguro ficar no ambiente onde somos maioria", disse.

    PAQUISTÃO

    O acirramento do conflito na fronteira com o Paquistão deve colocar ainda mais pressão sobre os muçulmanos. "Muitos indianos nos veem como potenciais terroristas e o conflito com o Paquistão piora isso", diz Sufiyan.

    Na divisão do território controlado pelos britânicos até 1947, foi o vizinho que abraçou a maioria da população muçulmana. "Desde os anos 60, o governo da Índia usa o Paquistão para intimidar os muçulmanos", diz Ahmed. "Agora não será diferente."

    Editoria de Arte/Folhapress
    Parcela muçulmana Maior concentração do grupo é na Caxemira
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