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    a morte de fidel

    Interesse dos EUA por Cuba nasce com a independência da ilha, no século 19

    SÉRGIO DÁVILA
    EDITOR-EXECUTIVO

    26/11/2016 15h40 - Atualizado às 19h16

    Em março, o presidente Barack Obama visitou Cuba, onde foi recebido por Rául Castro, o ápice da reaproximação liderada pelo norte-americano que começou em 2014 e colocou fim a mais de cinco décadas de relações rompidas entre os dois países.

    Nos meses anteriores e seguintes à visita histórica, o democrata tomou medidas para enfraquecer o que se convencionou chamar de embargo –uma série de leis de cunho econômico aprovadas entre 1960 e 1996 e que só podem ser suspensas por autorização do Legislativo dos EUA, hoje nas mãos dos republicanos.

    Obama lançou mão de ordens executivas, que independem da aprovação do Congresso, e de outros mecanismos legais. Ele contava ser sucedido por sua companheira de partido, Hillary Clinton, o que não aconteceu.

    A sua política em relação à ilha foi uma guinada em relação a seu antecessor. Em 2006, o republicano George W. Bush aprovou pacote de US$ 80 milhões que seriam gastos na tentativa de enfraquecer o regime de Cuba.

    O dinheiro era destinado a grupos dissidentes e ao reforço da propaganda política anticastrista feita pela rádio e TV Martí. Num eufemismo "neocon", o grupo de trabalho do Departamento de Estado que cuidou da iniciativa era chamado de "Comissão Norte-Americana para a Assistência de uma Cuba Livre".

    Tinha dezenas de funcionários e um coordenador, Caleb McCarry, que Jon Lee Anderson, da revista "New Yorker", chamou de "o Paul Bremer nomeado para Cuba", numa referência ao desastrado procônsul que atuou nos meses seguintes à invasão do Iraque. Em entrevista à Folha, McCarry não quis definir seu papel exato na transição à democracia. "O protagonista é o povo cubano", disse.

    Depende de a quais cubanos ele se referia. Como a lei castrista proibia que seus cidadãos recebessem dinheiro do governo dos EUA, a ajuda ia para grupos baseados em Miami e em Washington.

    Em novembro daquele ano, a Controladoria americana descobriu que parte da verba liberada de 1996 a 2005, US$ 76 milhões, foi gasta na compra de malhas de cashmere, chocolates Godiva, casacos de couro e videogames.

    PARA A PLATEIA

    Quando Fidel Castro dizia que os "imperialistas ianques" queriam transformar Cuba no 51° Estado norte-americano, não estava (apenas) jogando para a plateia.

    Em 1820, John C. Calhoun, então vice-presidente dos EUA, recebeu carta com o seguinte teor: "Cuba é a adição mais interessante que pode ser feita ao nosso sistema de Estados; os EUA devem, na primeira oportunidade, tomar Cuba". Quem a assinava era Thomas Jefferson.

    Desde então, com cashmere ou porrete, o país tentou por algumas vezes seguir a recomendação de seu terceiro presidente (1801-1809). A tentativa de anexação física ou psicológica se deu por meios econômicos, políticos ou ideológicos –algumas vezes, pela mistura tensa dos três.

    Antes dos US$ 80 milhões de Bush ou dos US$ 76 milhões dos chocolates Godiva, houve ofertas mais generosas. Em 1854, uma manobra frustrada negociava com o governo espanhol a compra de sua então colônia por US$ 130 milhões (US$ 3,6 bilhões de hoje). Em 1897, subiu para US$ 300 milhões (US$ 8,5 bi de hoje). A recusa levou à Guerra Hispano-Americana.

    Quatro anos depois, com a retirada militar norte-americana do país, Cuba seria finalmente livre –com exceção de um pedaço de terra na baía de Guantánamo, 116 km² de propriedade do cidadão norte-americano Tomás Estrada Palma, que, embora de soberania cubana, foi cedido para "controle e jurisdição dos EUA". Desde 2001, o local é a polêmica prisão militar para suspeitos de terrorismo.

    Palma (1835-1908) se tornaria o primeiro presidente de Cuba. Do primeiro dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 1901, à queda do ditador Fulgêncio Batista, em 1° de janeiro de 1959, os países teriam uma relação próspera pelo menos para um dos lados, com os EUA sufocando escaramuças e tentativas de rebelião nas primeiras décadas de independência, dominando a economia e fechando os olhos para a ponte que o crime organizado criou entre Miami e Havana.

    Até que Fidel Castro assumiu o poder. A princípio, a Casa Branca reconheceu o governo revolucionário, já em 7 de janeiro de 1959. A relação começou tensa, mas não mais que a atual com a Venezuela, por exemplo. Foi se deteriorando com a aproximação com a então URSS.

    Em 26 de setembro de 1960, o cubano faria seu famoso discurso na Assembleia Geral da ONU em que explicitaria a tomada de lado de seu país entre os dois protagonistas da Guerra Fria. A primeira da série de medidas que seriam conhecidas como embargo norte-americano começaria no mês seguinte; as relações diplomáticas foram rompidas em janeiro de 1961.

    Fidel virava figura admirada internacionalmente, o comandante de um pequeno país que, ao se alinhar com uma, ousava desafiar a outra superpotência de então.

    Morreu sem saber qual será a política do próximo presidente dos EUA. Como sobre vários outros assuntos, o republicano Donald Trump deu declarações erráticas durante a campanha. Ora chamou a política atual em relação à ilha de "acordo fraco", ora disse que parte dela era "ok".

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