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    Consenso total para paz com as Farc é impossível, diz presidente da Colômbia

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL AO MÉXICO

    27/11/2016 02h00

    Um dia depois de assinar o novo acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e às vésperas de entregá-lo para aprovação, ou não, no Congresso, o presidente colombiano Juan Manuel Santos, 65, contou, em entrevista à Folha, por e-mail, quais foram as dificuldades de renegociar o tratado, após sua derrota no plebiscito de 2 de outubro.

    Sobre o mundo pós-eleição de Donald Trump, afirmou que as relações da Colômbia com os EUA são sólidas, mas que está convencido de que "o comércio e a abertura entre os países da América Latina são fatores de êxito para nosso desenvolvimento e prosperidade". E acrescentou que é favorável a uma aproximação do Mercosul com a Aliança do Pacífico (bloco de que fazem parte Colômbia, Peru, México e Chile).

    Cesar Carrion/AFP Photo
    O presidente Juan Manuel Santos (centro) assina acordo de paz com as Farc nesta quinta (24)
    O presidente Juan Manuel Santos (centro) assina acordo de paz com as Farc nesta quinta (24)

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    Folha - Antes do plebiscito de 2 de outubro, o senhor disse repetidas vezes que "não existia um plano B". Hoje temos um novo texto do acordo. O sr. está otimista de que esse novo documento obtenha consenso?

    Juan Manuel Santos - De fato, não tínhamos um "plano B". Segundo os especialistas, o acordo de paz que assinamos em Cartagena, em 26 de setembro, era um dos melhores que haviam sido produzidos na história recente, mas devo reconhecer que o resultado do plebiscito nos abriu uma nova oportunidade, e nós a aproveitamos.

    Abrimos um diálogo nacional com todos os setores e buscamos incorporar a grande maioria de suas propostas ao novo acordo.

    Ainda assim, alcançar um consenso total é impossível, pois sempre haverá alguém em desacordo e não podemos ficar negociando indefinidamente. Este novo acordo, definitivo, é melhor para a Colômbia.

    O sr. esperava que a rejeição ao acordo original por questões de crença religiosa e comportamental seria uma questão tão decisiva?

    Não esperava uma rejeição por motivações religiosas pela simples razão de que nenhuma parte do acordo vai contra crenças religiosas. Infelizmente, alguns setores leram no acordo a chamada "ideologia de gênero". O texto foi então revisado e o que se reafirmou foi que o enfoque de gênero buscará dar um tratamento preferencial às mulheres em programas de reparação.

    Com o novo acordo, deixamos isso totalmente claro e assim foi reconhecido por diversas organizações religiosas, que agora apoiam o novo acordo.

    *Com qual grupo dos que lideraram o "não" está sendo mais difícil conversar, com os líderes religiosos ou com o grupo representando pelo ex-presidente Álvaro Uribe

    Logo depois do plebiscito, nos reunimos com diversos setores, tanto do "não" como do "sim", para escutá-los e incluir suas propostas nas negociações com as Farc. Conseguimos que a maioria dessas propostas fossem incluídas no novo acordo. Creio que, de uma dificuldade, fizemos uma boa oportunidade, que nos leva a dizer, com toda a clareza, que a hora da paz na Colômbia é agora.

    Como vê a recusa dos uribistas de aceitar o fato de que não se mudaram, em essência, os pontos que eles consideravam cruciais: o tema da elegibilidade política dos ex-guerrilheiros condenados e o encarceramento dos mesmos em colônias penais?

    Eu valorizo a atitude construtiva que tiveram os diversos setores com os quais temos nos reunido, incluindo o Centro Democrático [partido de Álvaro Uribe]. O objetivo de todo processo de paz é que aqueles que estão levantados em armas reconheçam e se submetam às nossas instituições e às nossas leis, deixem as armas e possam fazer política dentro da legalidade. Este é um acordo que contém sanções para os responsáveis por crimes graves e de lesa humanidade.

    *Quais são os riscos de que se demore muito para implementar o novo acordo? *

    Os riscos são imensos. O cessar-fogo estava começando a se desmoronar. Daí a necessidade de avançar decididamente na direção da implementação do acordo. Isso tem início com a mobilização dos membros das Farc até as "zonas de transição", onde haverá presença das Nações Unidas e entrega de armas para sua destruição.

    O sr. contou com amplo apoio de líderes internacionais na assinatura do acordo de 26 de setembro, em Cartagena. Além disso, os EUA estiveram presentes em todo o processo. O sr. se preocupa com a mudança de governo nos EUA agora?

    Falei com o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e ele me expressou vontade de fortalecer a relação estratégica entre os dois países. A cooperação e aliança entre os EUA e a Colômbia não dependem de um só partido. Republicanos e democratas, ao longo do tempo, apoiaram nossas tentativas, como o Plano Colômbia e o Paz Colômbia, assim como apresentaram uma iniciativa de cooperação para o pós-conflito. Confio que isso assim será mantido.

    O governo dos EUA, como todos os países do hemisfério expressaram seu respaldo a esse novo acordo. O Brasil também o fez.

    O sr. crê que o novo contexto apresenta um momento mais difícil para acordos de comércio internacionais? Teme pelo futuro imediato da Aliança do Pacífico, do TPP, do Nafta e de outros acordos que beneficiam ou beneficiariam a América Latina?

    A Colômbia tem acordos comerciais vigentes com cerca de 50 países, incluindo os EUA. A relação dos EUA com a Colômbia é uma relação sólida, uma aliança muito importante para o hemisfério.

    Sabemos que isso vai se manter. Os países participantes da última reunião da cúpula da Apec [Cooperação Econômica Ásia-Pacífico] se manifestaram a favor de um comércio aberto como um mecanismo efetivo para aproximar os países e gerar progresso e desenvolvimento. Ainda vemos muitas oportunidades para os produtos colombianos em diferentes mercados ao redor do mundo e vamos aproveitar isso.

    Temos construído políticas para este fim, às quais, junto com as oportunidades que nos trará a paz com as Farc, no médio e no longo prazos, nos darão ferramentas para nos inserir com êxito nas cadeias globais de valor, e assim aumentar nossas exportações.

    Com a mudança recente de governos no Brasil e na Argentina, ambos vêm demonstrando interesse em aproximar-se mais da Aliança do Pacífico, enquanto o Mercosul se encontra num momento de crise de identidade e até de liderança. Como vê esse panorama?

    A Aliança do Pacífico e o Mercosul começaram a construir espaços de aproximação, ao qual denominamos "convergência na diversidade". Essa convergência nos permitiu identificar áreas de trabalho e de interesse dos dois blocos em assuntos de facilitação do comércio e de cooperação aduaneira que trará benefícios para todo o continente. Estou convencido de que o comércio e a abertura entre os países da América Latina são fatores de êxito para nosso desenvolvimento e prosperidade.

    O encontro empresarial da Aliança do Pacífico que se realizou no Chile há alguns meses (ao qual a Argentina esteve presente), foi um espaço muito positivo, graças à participação de empresários do Mercosul e à promoção do intercâmbio comercial entre os dois blocos. Esperemos que esta dinâmica de aproximação se mantenha.

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