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    Criador de site de notícias falsas diz que sua motivação é ganhar dinheiro

    DO "NEW YORK TIMES"

    28/11/2016 08h29

    Desempregado e perto de concluir a faculdade, um estudante de ciências da computação na maior universidade da Geórgia decidiu, no início deste ano, que poderia ganhar dinheiro com a sede americana por notícias políticas fortemente partidárias. Ele montou um site na internet, postou artigos altamente elogiosos sobre Hillary Clinton e esperou por anunciantes.

    "Não sei por que, mas não funcionou", disse o estudante, Beqa Latsabidze, 22 anos, esperto o suficiente para mudar de rumo quando percebeu o que realmente alimentava o interesse de internautas: textos altamente elogiosos sobre Donald Trump que misturavam notícias reais com outras completamente falsas em um caldeirão de fervor anti-Hillary.

    Jim Watson/AFP
    O presidente eleito Donald Trump, que teria sido beneficiado por notícias falsas na internet
    O presidente eleito Donald Trump, que teria sido beneficiado por notícias falsas na internet

    Em Vancouver, Colúmbia Britânica, a mais de 9.500 km de distância, o canadense John Egan, que comanda um site satírico, fizera uma observação semelhante. Seu site, The Burrard Street Journal, produz sátiras das notícias, não falsas notícias, e Egan não procura enganar ninguém. Mas também ele descobriu que escrever sobre Trump era uma mina de ouro, em suas próprias palavras. O tráfego em seu site subiu vertiginosamente, e seus textos, especialmente um artigo dizendo que o presidente Barack Obama se mudaria para o Canadá se Trump vencesse a eleição, foram roubados por Latsabidze e outros empreendedores da internet para ser reproduzidos nos sites deles.

    "É tudo Trump", disse Egan ao telefone. "As pessoas enlouquecem com esse assunto."

    Com Obama agora avisando do perigo corrosivo representado pelas falsas notícias políticas veiculadas no Facebook e outras redes sociais, as perguntas urgentes são quem produz essas notícias e como funciona esse ecossistema de notícias exageradas e frequentemente fabricadas.

    Alguns analistas temem que agências de inteligência estrangeiras estejam interferindo na política americana e utilizando notícias falsas para influenciar eleições. Mas um vislumbre de como funciona o sistema antiético das notícias falsas é encontrado na economia pirata da internet, em que uma sátira produzida no Canadá pode ser pega por um universitário recém-formado na ex-república soviética da Geórgia e apresentada como notícia real para atrair a atenção de leitores crédulos nos Estados Unidos. Latsabidze disse que seu único incentivo foi ganhar dinheiro com anúncios no Google, levando pessoas que estavam no Facebook a clicar sobre os links e chegar aos sites dele.

    Para apimentar os materiais, Latsabidze muitas vezes cortava e colava trechos aqui e ali, às vezes "enriquecendo" manchetes, mas na maior parte do tempo simplesmente copiava materiais alheios, incluindo a história satírica de Egan sobre Obama. Egan não gostou de ver seu trabalho satírico no site de Latsabidze e registrou um aviso de infração de direitos autorais para defender sua propriedade intelectual.

    Mas Egan admitiu ter se alegrado, por razões profissionais, pelo fato de Trump ter chegado para ficar. "Agora nós o teremos por quatro anos!", disse. "Mal consigo acreditar."

    Segundo algumas estimativas, durante os meses finais da campanha presidencial as falsas reportagens noticiosas veiculadas online e nas mídias sociais tiveram alcance ainda maior que artigos publicados por organizações noticiosas da grande mídia.

    EXAME DE CONSCIÊNCIA

    Desde então, gigantes da internet como Facebook e Google começaram a fazer um exame de consciência em relação ao papel que exercem na disseminação de falsas notícias. O Google anunciou que vai proibir sites que divulgam falsas notícias de utilizar seu serviço de anúncios online, e o executivo-chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, apresentou algumas das opções que sua empresa está analisando, incluindo maneiras mais fáceis de os usuários identificarem conteúdos suspeitos.

    Em Tbilisi, o apartamento alugado de dois cômodos que Latsabidze divide com seu irmão menor é uma sucursal estrangeira improvável da indústria americana de notícias falsas. Os dois irmãos, ambos especialistas em informática, contam ainda com a ajuda de um terceiro jovem georgiano, este arquiteto.

    Eles afirmam não ter interesse grande por política; inicialmente, fizeram apostas em nomes de todo o espectro político americano e também fizeram experimentos com notícias do setor do show business. Criaram um site pró-Hillary Clinton, walkwithher.com, uma página no Facebook promovendo Bernie Sanders e um sumário online de notícias políticas verdadeiras plagiadas do "New York Times" e outros veículos da grande imprensa.

    Mas esses sites, entre mais de uma dúzia registrados por Latsabidze, não foram adiante. Então Latsabidze desviou toda sua energia para Trump. Seu site pró-Trump principal, departed.co, ganhou presença notável entre inúmeros outros no período que antecedeu a eleição de 8 de novembro, graças a um cardápio de reportagens implacavelmente favoráveis a Trump e contrárias a Hillary. Na quarta-feira, algumas horas depois de o "New York Times" ter se reunido com Latsabidze para lhe perguntar sobre suas atividades, o site desapareceu do ar, juntamente com a página de Latsabidze no Facebook.

    "Meu público gosta de Trump", ele disse. "Não quero escrever coisas negativas sobre Trump. Se eu escrever notícias falsas sobre Trump, vou perder meus leitores."

    Alguns de suas reportagens sobre Trump são verdadeiras, algumas são fortemente enviesadas e outras são completamente falsas –foi o caso de uma, veiculada há alguns meses, dizendo que "o governo mexicano anunciou que fechará suas fronteiras a americanos no caso de Donald Trump ser eleito presidente dos Estados Unidos". Dados compilados pelo BuzzFeed mostram que esse artigo foi a terceira reportagem falsa mais difundida no Facebook entre maio e julho.

    Então chegou a queixa de Egan, no Canadá, que levou a empresa que sedia os sites de Latsabidze, incluindo o departed.co, a fechar os sites por dois dias até Latsabidze tirar o texto em questão do ar.
    "Foi muito ruim para mim", Latsabidze recordou. "O tráfego diminuiu, e tive que começar tudo de novo."

    Egan, por sua parte, disse que não gostou de ver outras pessoas ganhando dinheiro injustamente com seu próprio trabalho. Ele estimou que "provavelmente metade" dos leitores de seus textos acreditam que sejam verídicos pelo fato de serem reproduzidos por muitos outros sites.

    "Muitos deles são leitores conservadores que veem os textos serem reproduzidos em outros sites e então acreditam neles", disse Egan. "Em muitos casos eles nem sequer leem os textos, apenas reagem aos títulos."

    UMA FORMA DE "INFOTAINMENT

    Latsabidze se disse espantado com a ideia de que qualquer pessoa possa pensar que os artigos que ele posta são notícias verdadeiras, insistindo que são apenas um tipo de "infotainment" (misto de informação e entretenimento) que não deve ser levado muito a sério.

    "Não chamo isso de notícia falsa, chamo de sátira", ele disse. Latsabidze evita tratar de sexo e violência porque isso violaria as regras do Facebook, explicou, mas, tirando isso, não vê nada de errado em oferecer aos leitores aquilo que eles procuram.

    "Ninguém acredita realmente que o México vá fechar sua fronteira", ele disse esta semana, tomando café em um McDonald's no centro de Tbilisi. "Isso é maluquice."

    Mesmo assim, a história sobre o México fechar sua fronteira ganhou tanta popularidade depois de aparecer em seu site que Latsabidze procurou na rede por outros artigos sobre o mesmo tema. Ele encontrou uma história improvável dizendo que o México pretenderia chamar seus cidadãos de volta dos Estados Unidos no caso de uma vitória de Trump. Também esta notícia gerou tráfego intenso, se bem que não tão intenso quanto a primeira, que Latsabidze descreveu como "uma reportagem fantástica".

    Ele insistiu que não tem nada contra mexicanos ou muçulmanos, cuja exclusão dos Estados Unidos é pedida em uma petição online que aparece com frequência em seus sites e que invariavelmente são mostrados sob ótica negativa nas histórias que ele posta online.

    "Não sou contra muçulmanos", disse Latsabidze. "Apenas vi que havia interesse por esse tema. Eles estão nos noticiários." Ele acrescentou que tampouco é especialmente contra Hillary, se bem que sua preferência pessoal seja por Trump.

    Falando em Berlim na semana passada, Obama criticou a difusão de falsas notícias no Facebook e outras plataformas, avisando que "se não tratarmos com seriedade os fatos, o que é verdade e o que não é", e "se não pudermos discriminar entre argumentos e propaganda, teremos problemas".

    O Facebook não fornece qualquer receita diretamente a Latsabidze, mas exerce papel central no direcionamento de tráfego para os sites dele. Latsabidze inicialmente criou várias páginas falsas no Facebook com o propósito de desviar tráfego para seus sites, incluindo um site supostamente criado por uma linda mulher chamada Valkiara Beka. Ele admitiu que essa mulher não existe, na realidade. "Ela é eu", Latsabidze explicou.

    Mas ele descobriu que essas páginas eram muito menos eficazes que páginas legítimas de pessoas reais no Facebook, especialmente partidários de Trump, porque essas pessoas gostam de promover reportagens que apreciam e dedicam muita energia a isso.

    Latsabidze, que aparentemente não infringiu nenhuma lei, disse que qualquer movimento para reprimir falsas notícias pode funcionar no curto prazo, mas que "alguma outra coisa vai chegar para tomar seu lugar".

    "Se quiserem, podem controlar tudo", ele opinou, "mas isso vai bloquear a liberdade de expressão."

    Por enquanto, o período pós-eleitoral vem sendo ruim para os negócios, com uma queda aguda no interesse público por notícias políticas incendiárias enviesadas a favor de Trump. O tráfego no departed.co e sites filiados a ele caiu em pelo menos 50% nas últimas semanas, disse Latsabidze.

    "Teria sido melhor para nós se Hillary tivesse vencido", ele opinou. "Eu poderia escrever sobre as coisas ruins que ela faria. Não escrevi para levar Trump a vencer. Eu só queria conseguir leitores e ganhar algum dinheiro."

    Desde que entrou para o ramo das falsas notícias, Latsabidze conseguiu um emprego regular de programador numa empresa de softwares, algo que ele vê como garantia de um futuro profissional melhor. "É um trabalho mais estável", explicou.

    Mas ele pareceu relutante em desistir por completo de sua atividade anterior. "Vai haver eleições no Reino Unido?", quis saber.

    Ele ficou decepcionado ao ouvir que não há eleições britânicas previstas para o futuro próximo. Mas, informado que a França terá uma eleição presidencial fortemente contestada em abril, com uma candidata, Marine Le Pen, que guarda semelhanças com Trump, ele se animou, dizendo: "Talvez seja o caso de eu aprender um pouco de francês".

    Tradução de Clara Allain

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