• Mundo

    Sunday, 05-May-2024 18:57:36 -03

    Na Escócia, Trump constrói barreira e manda a conta para os moradores

    KATRIN BENNHOLD
    DO "THE NEW YORK TIMES", EM BALMEDIE (ESCÓCIA)

    28/11/2016 17h00

    O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, já construiu um muro —não na fronteira com o México, mas nos limites de seu exclusivo campo de golfe no nordeste da Escócia, que bloqueia a vista do mar aos moradores que se recusaram a vender suas casas.

    E então Trump mandou a conta para eles.

    David e Moira Milne já tinham sido ameaçados com ações jurídicas pelos advogados de Trump, que afirmavam que um canto de sua garagem pertencia a ele. Quando voltaram do trabalho para casa certa noite, encontraram a equipe de Trump construindo uma cerca ao redor de seu jardim. Depois foram erguidas duas fileiras de árvores já crescidas, bloqueando sua vista. Suas ligações de água e eletricidade foram temporariamente cortadas. E depois chegou pelo correio uma conta de cerca de US$ 3.500 (R$ 11,8 mil), a qual, segundo David Milne, foi direto para o lixo.

    Jeremy Sutton-Hibbert - 18.nov.2016/The New York Times
    Trees and a fence, built by President-elect Donald Trump at his golf course, and blocking the views from David and Moira Milne's home, in Balmedie, Scotland, Nov. 18, 2016. Trump built the wall, blocking the sea view for several local residents who refused to sell their homes, and then he sent them the bill - part of a trail of unmet promises on one of his golf courses. (Jeremy Sutton-Hibbert/The New York Times)
    Equipe de Trump ergueu cerca e plantou árvores para bloquear vista da casa de David e Moira Milne's

    "Vejam, o México também não vai pagar", disse ele, um consultor de saúde e segurança e escritor no tempo livre, referindo-se à promessa feita por Trump em sua campanha de construir um "lindo e impenetrável muro" na fronteira e obrigar os mexicanos a pagar por ele.

    Os Milne hoje hasteiam uma bandeira mexicana em sua casa no alto do morro, uma antiga estação de guarda-marinha que dá para a sede do clube Trump International Golf Links, sempre que Trump a visita.

    É o que também fazem Susan e John Munro, que igualmente se recusaram a vender a casa e hoje encaram um monte de terra de quase 4,5 metros construído por funcionários de Trump nos dois lados de sua propriedade.

    Michael Forbes, um trabalhador mineiro cuja casa fica no lado oposto da propriedade de Trump, hasteou uma segunda bandeira —"Hillary para presidente"—, talvez porque Trump o acusou publicamente de viver "como um porco" e o chamou de "desgraça" por não vender sua casa "nojenta" e "parecida com uma favela".

    Enquanto muitos americanos tentam descobrir que tipo de presidente eles acabam de eleger, a população de Balmedie, um vilarejo perto da antes rica cidade de Aberdeen, dizem ter uma ideia bem próxima. Nos dez anos desde que Trump apareceu pela primeira vez ali, prometendo construir "o maior campo de golfe do mundo" em uma área de proteção ambiental que tem dunas de areia de 4.000 anos, eles o viram atacar todos os que se puseram em seu caminho. Eles dizem que o viram conquistar apoio público para seu campo de golfe com grandes promessas, e depois o viram descumpri-las uma a uma.

    Um investimento prometido de US$ 1,25 bilhão (R$ 4,25 bilhões) diminuiu para algo que, segundo seus adversários, não passa de US$ 50 milhões (R$ 170 milhões). 6.000 empregos encolheram para 95. Dois campos de golfe para um. Um hotel de luxo de 450 quartos não se materializou, nem os 950 apartamentos para aluguel de temporada. Em vez disso, uma antiga mansão senhorial foi transformada em um hotel-butique com 16 quartos. O Trump International Golf Links, que foi inaugurado em 2012, perdeu US$ 1,36 milhão (R$ 4,6 milhões) no ano passado, segundo as contas divulgadas.

    "Se os EUA querem saber o que virá, deveriam estudar o que aconteceu aqui. É previsível", disse Martin Ford, um representante do governo local. "Eu acabo de vê-lo fazer nos EUA, em escala mais grandiosa, exatamente o que fez aqui. Ele enganou as pessoas e enganou os políticos até conseguir o que queria, e então recuou em quase tudo o que prometeu.

    Jeremy Sutton-Hibbert - 18.nov.2016/The New York Times
    Michael Forbes, a quarry worker whose home sits on the opposite side of President-elect Donald Trump's golf course, in Balmedie, Scotland, Nov. 18, 2016. Forbes, whom Trump called a "disgrace" for refusing to sell his home, flies a "Hillary for President" flag near the property line - part of a trail of unmet promises on one of his golf courses, and lashed out at homeowners who stood in his way. (Jeremy Sutton-Hibbert/The New York Times)
    O trabalhador mineiro Michael Forbes hasteou bandeira com os dizeres "Hillary para presidente"

    Alex Salmond, um ex-primeiro-ministro da Escócia cujo governo concedeu a Trump permissão para o projeto em 2008, desprezando as autoridades locais, hoje admite a tese, dizendo: "Balmedie conseguiu 10 centavos por dólar [prometido]".

    Sarah Malone, que chamou a atenção de Trump ao vencer um concurso de beleza e hoje é vice-presidente da Trump International, desmentiu alguns dos números citados publicamente sobre o projeto, dizendo que Trump investiu cerca de US$ 125 milhões (R$ 425 milhões) e que o clube de golfe hoje emprega 150 pessoas.

    "Enquanto outros projetos de golfe e lazer foram arquivados por falta de fundos", disse ela, "Trump continuou avançando em seus planos e colocou a região no mapa do turismo global, e este resort tem um papel vital na prosperidade econômica do nordeste da Escócia."

    Salmond disse que o impacto de Trump nos negócios do país poderá na verdade ser negativo, porque seus comentários xenófobos desagradaram tanto ao establishment escocês que o Royal & Ancient Golf Club of St. Andrews, conhecido simplesmente como R&A, não deverá conceder tão cedo a seu outro campo de golfe, o renomado Trump Turnberry, mais um torneio prestigioso como o Open.

    "Não vejo o R&A voltando a Turnberry, o que é uma tragédia por si só", disse Salmond. "Mas é também um enorme golpe econômico: várias centenas de milhões de libras perdidas —ou, nos termos de Trump, bilhões."

    Trump, cuja mãe migrou da Escócia para Nova York em 1930, nunca demonstrou grande interesse por sua terra natal. Mas em 2008, mesmo ano em que se inscreveu para obter a permissão do projeto em Balmedie, ele visitou a casa de pedras na ilha de Lewis, no oeste da Escócia, onde ela cresceu.

    Depois de descer de seu jato particular e distribuir exemplares de seu livro "Como Ficar Rico", ele teria dito aos moradores que se sentia muito escocês. "Sinto-me muito à vontade aqui", disse Trump, antes de gastar menos de dois minutos com seus primos na casa de sua mãe, relatou o jornal "The Guardian" na época. Em cerca de três horas seu jato tinha decolado.

    Jeremy Sutton-Hibbert - 18.nov.2016/The New York Times
    From their kitchen window, John and Susan Munro stand by the earthen berm that once was a view of the Scottish coastline at home, in Balmedie, Scotland, Nov. 18, 2016. President-elect Donald Trump built the berm, blocking a view of the coastline for several local residents who refused to sell their homes, and then he sent them the bill - part of a trail of unmet promises on one of his golf courses. (Jeremy Sutton-Hibbert/The New York Times)
    John e Susan Munro em seu quintal, cuja vista para a costa foi barrada por um monte de terra

    A visita claramente não impressionou Ford, então presidente da comissão de planejamento no conselho de Aberdeenshire, que recusou a Trump a permissão para o campo de golfe por questões ambientais. As antigas dunas, concluiu a comissão, eram um "local de interesse científico especial", ou, como colocou Ford, "o equivalente na Escócia à floresta Amazônica".

    Afinal, foi Salmond, um confesso fanático por golfe cujo eleitorado inclui Balmedie, quem saiu em defesa de Trump, concedendo-lhe a permissão para continuar, "pelo interesse econômico nacional".

    "6.000 empregos em toda a Escócia, 1.400 empregos locais e permanentes no nordeste da Escócia", disse Salmond na época. "Isso supera as preocupações ambientais."

    Oito anos depois, ele afirma que Trump o enganou: "Se soubesse o que sei hoje e pudesse voltar atrás, eu reescreveria aquela página", disse Salmond em uma entrevista nesta semana. "A maioria dos empreendimentos equilibra as questões econômicas com as ambientais. O problema, e é um grande problema, é que Donald Trump não fez o que prometeu."

    Mais tarde Trump se desentendeu feio com Salmond —que hoje ele chama de "Alex maluco" e de "passado"—, primeiro porque ele se recusou a despejar moradores por desapropriação e depois por seus planos de instalar turbinas eólicas no mar a poucos quilômetros do campo de golfe de Trump.

    "Se a Escócia não parar com essa política insana de turbinas eólicas obsoletas e assassinas de aves, o país será destruído", escreveu Trump no Twitter em 2014.

    Em um inquérito parlamentar sobre energia renovável em 2012, Trump advertiu que a Escócia teria "sérios problemas" se continuasse a construir turbinas eólicas. Perguntas sobre que evidências tinha, ele disse: "Eu sou a evidência".

    Então fez uma queixa formal sobre um político do Partido Verde que havia zombado da declaração com uma foto do filme de Monty Python "A Vida de Brian", acusando-o de blasfêmia e ameaçando levá-lo à Justiça.

    As turbinas eólicas, cujas fundações deverão ser construídas no próximo ano, ainda parecem irritar Trump. Em uma reunião logo depois de sua vitória na eleição, Trump pediu a Nigel Farage, o líder do populista UKIP (Partido pela Independência do Reino Unido, na sigla em inglês) –que não ganhou um único assento parlamentar na Escócia–, para combater os parques eólicos na Escócia em seu benefício.

    "Realmente, acreditar que uma conversa com Nick Farage e seus asseclas sobre energia eólica vai mudar a política do governo escocês está fora dos limites da possibilidade", disse Salmond.

    Alguns moradores locais continuam ferozmente leais a ele. Stewart Spence, dono do exclusivo Marcliffe Hotel, tem uma foto de Trump e dele mesmo à mostra no saguão, assim como seu título de sócio do clube de golfe de Balmedie.

    "Quantos turistas as dunas atraíram? Zero", disse ele. "O que ele fez foi construir um lindo campo de golfe e transformar o nordeste da Escócia em um destino incrível."

    Traduzido por LUIZ ROBERTO M. GONÇALVES

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024