Nem parece, mas no meio da festa pela morte de Fidel Castro na comunidade de exilados cubanos de Miami, há um dilema moral que muitos não conseguem esconder: como alegrar-se com a morte de um ser humano?
Entre os que deixaram a ilha em condições dolorosas, principalmente os mais velhos, os sentimentos despertados por Fidel são tão intensos que embaralham os instintos mais básicos. Cristãos devotos, alguns chegam a ter uma ponta de culpa por sentirem-se culpados com a alegria incontida causada pela morte do homem que acusam dos piores sofrimentos que já viveram.
Marcelo Ninio/Folhapress | ||
O advogado Zenen Perez Yera diante do cartaz que preparou para festa pela morte de Fidel em Miami |
"Sou um pastor na igreja. Não é fácil me alegrar pela morte de uma pessoa. Mas Fidel não era um ser humano. Ele era um monstro", absolve-se o carpinteiro aposentado Leighton Pons, 74, segurando um cartaz com nomes de presos políticos em Cuba. Para ele, é uma questão muito pessoal.
Pons conta que ficou 20 anos preso numa "masmorra medieval" em Cuba por discordar do regime, convivendo com ratos e insetos e recebendo uma ração "que não seria digna nem para alimentar animais". Quando deixou a prisão, aos 43 anos, estava marcado como subversivo e não conseguiu achar trabalho. Decidiu deixar a ilha e se instalar em Miami, mas nunca abandonou o sonho de voltar.
"Nem sei onde está a sepultura da minha mãe. Quero voltar para procurá-la, mas só poderei fazer isso quando o meu país estiver livre".
Fundador da Plataforma Unitária Cubana, um dos muitos grupos de oposição ao regime em Miami, o advogado Zenen Perez Yera chegou há 14 anos aos EUA depois de várias passagens pela prisão. Ele admite que festejar a morte de alguém lhe causa "uma divisão interna", mas diz que o dilema não dura muito.
"Estamos celebrando a morte de um assassino corrupto, um psicopata", afirma Zenen, 86, que não tem muita esperança de ainda ver a democracia em seu país. "Vai demorar. O tirano morreu, mas a tirania está viva".
Assim que a notícia da morte de Fidel começou a se espalhar em Miami na madrugada de sábado (26), teve início o carnaval nas ruas de bairros em que se concentra a comunidade cubana, como Little Havana e Hialeah. Também começaram a surgir comentários nas redes sociais questionando se a festa não era meio macabra. Filho e neto de cubanos que sofreram perseguição do regime castrista, o repórter da rede Fusion Daniel Rivero sentiu-se compelido a escrever um artigo para explicar porque a alegria era legítima, por encerrar um capítulo.
Quando era criança, conta Rivero, "as conversas no jantar inevitavelmente acabavam indo para a política, especificamente os irmãos Castro, ditadura, tortura e assassinato". Mesmo afastado do poder, Fidel manteve-se como uma "sombra" para os que sofreram sob seu regime, diz ele. Uma dor lembrada diariamente pela "impotência de acordar todos os dias sabendo que o filho da puta ainda estava vivo e desfrutando de uma vida boa". Isso acabou, conclui Rivero.
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