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    Em uma democracia, não se pode fazer chantagem, diz Álvaro Uribe

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL AO MÉXICO

    29/11/2016 02h00

    Na semana em que o novo acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) está no Congresso colombiano para ser aprovado ou não, o ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe conta porque seu partido, o Centro Democrático, se recusará a votá-lo.

    "As mudanças substanciais, pelas quais o povo votou pelo ´não´, não foram feitas". Uribe considera que o presidente Juan Manuel Santos está "enganando a população", pois "havia se comprometido a uma aprovação popular por meio do voto, e depois que perdeu o plebiscito (em 2 de outubro), mudou o modo como quer referendar um acordo apenas maquiado."

    Leia a entrevista que concedeu à Folha.

    Folha - No dia da assinatura do novo acordo, na última quinta (24), o sr. disse no Senado que o "não" havia ganho "apesar da opinião do papa, da ONU e do Obama". O sr. sente que o governo está tentando fazer uma manobra legislativa que vai contra a vontade popular?

    Álvaro Uribe - Reconhecemos que o governo introduziu algumas modificações ao acordo original sugeridas pelo grupo do "não". Porém, os pontos substanciais não foram alterados.
    Ficaram: a impunidade total, a elegibilidade para terroristas responsáveis de delitos atrozes, e inclusive se lhes permitirá serem eleitos sem sequer pagar uma condenação. Ficaram, ainda, o narcotráfico classificado como "delito político" (o grupo do "não" o queria classificado como crime de lesa humanidade), o que é bastante grave para a Colômbia.

    Além disso, outros temas sensíveis também não foram mudados. Por exemplo, dentro do item das vítimas, não sabemos ainda quando as Farc entregarão ou dirão onde estão as 600 pessoas que seguem sequestradas.

    O presidente Santos não quis fazer um pacto nacional sobre esses assuntos, e agora quer aprovar tudo no Congresso, evitando uma nova votação popular, com a qual havia assumido um compromisso.

    Por isso, teremos que seguir com nossa luta no Congresso e nas ruas.

    Como o Centro Democrático pretende atuar para enfrentar o acordo no Congresso? O sr. crê que é possível ainda incluir no texto final as modificações que o grupo do "não" considera necessárias?

    Nós não vamos participar da validação por voto, porque isso seria uma falta de respeito ao povo colombiano, a quem foi proposta a validação através de um plebiscito, ou seja, de um instrumento de participação direta da cidadania.

    Depois que o governo perdeu esse plebiscito, no lugar de fazer outro, ainda que apenas para os pontos sobre os quais há diferenças, agora o que propõe é mudar a aprovação para o Congresso. Ali, como sabemos, o governo tem maioria.

    Nós, do Centro Democrático, vamos estar em todos os debates, mas não vamos votar a proposta por Santos. Vamos insistir em que ainda se façam mudanças com relação aos temas mencionados acima e que consideramos importantes.

    E também vamos buscar o apoio da cidadania nas ruas da Colômbia para que se exija um novo referendo de origem popular.

    No caso da Justiça, houve avanços com relação ao que vocês propuseram, mas não aquele que esperavam. Qual seria o modelo de Justiça ideal para o sr. para colocar fim no conflito?

    Não houve avanços. Se manteve o mesmo tribunal especial cujos magistrados têm relação com ONGs próximas às Farc. Simplesmente o que os negociadores aceitaram de nossas propostas foi que os juízes sejam colombianos, que não se aceitariam estrangeiros.

    Esse tribunal é algo muito grave para a Colômbia porque pode produzir o seguinte: as Farc terão seus problemas resolvidos em semanas, basta com que os guerrilheiros reconheçam os delitos. Por 15 ou 20 anos, para eles a Justiça comum será substituída por essa Justiça transicional, enquanto para os colombianos comuns, civis ou militares, valerá a Justiça comum.

    Isso significa uma total impunidade para os guerrilheiros, e um diferente peso da lei para os outros cidadãos.

    Por isso, nós dizemos que com algumas frases redigidas de outra maneira, os negociadores do governo e das Farc deram apenas uma nova maquiagem para o tema da Justiça, mas não consideramos que houve avanços.

    Por exemplo, nós tínhamos pedido que o narcotráfico não fosse passível de ser relacionado a um delito de conexão política (nos dois acordos, o original e o atual, caso os delitos de narcotráfico sejam apresentados como cometidos para financiar a ação política da guerrilha, poderão ser anistiados), e sim como de lesa humanidade –portanto não-anistiável.

    Pedimos, ao menos, que a condenação por narcotráfico fosse com uma reclusão penitenciária, ainda que com uma redução da pena e que fosse cumprida em colônias agrícolas ou zonas de concentração. Mas o novo acordo não aceitou isso, e o narcotráfico ficou como crime que pode receber anistia se apresentado como relacionado à atividade política.

    Sobre o acesso ao Congresso e à participação na política, o sr. crê que é possível fazer avanços, ainda que as Farc digam que esse é o ponto mais essencial, e que se não puderem entrar na política se levantarão da mesa de negociação e a guerra continuará? Qual a melhor proposta para esse item?

    Primeiro, a democracia não pode negociar por chantagem. Segundo, esses senhores não têm o direito de levantar-se da mesa, depois de tudo o que o governo lhes deu. Terceiro, nenhuma democracia permite que pessoas responsáveis por delitos de lesa humanidade, milhares de sequestros, milhares de desaparecidos, de mulheres estupradas, de crianças recrutadas, o maior cartel de cocaína no mundo, nenhuma democracia permitiria que os maiores responsáveis por esses crimes fossem eleitos.

    Nós, do grupo do "não", ainda que contra o meu parecer, por querer ajudar a obter um acordo nacional que o governo não quis, chegamos a aceitar que esses criminosos pudessem se eleger caso primeiro cumprissem uma pena. Mas nem isso os negociadores quiseram mudar no texto.

    Ainda sobre o narcotráfico, o sr. não crê que os tribunais especiais terão condições de diferenciar os casos que têm ou não "conexão política"? O que o novo acordo diz é que serão avaliados "caso a caso".

    De nenhuma maneira. Os tribunais não terão essa possibilidade. Se o mesmo governo reconhece que as Farc utilizaram o narcotráfico para financiar a rebelião. E que, por isso, o narcotráfico é um delito político, que tribunal vai enfrentar essa decisão e demonstrar que não foi com essa finalidade?

    Além disso, o reconhecimento do delito é coletivo, então se um grupo das Farc reconhece coletivamente que esteve no narcotráfico para financiar a rebelião, depois os integrantes individuais desse grupo jamais retificariam ou mudariam essa versão.

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