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    China demole casas ao redor de centro budista no Tibete

    EDWARD WONG
    DO "NEW YORK TIMES", EM LARUNG GAR (CHINA)

    29/11/2016 17h23

    No alto de um morro, o rugido de uma motosserra ocultava o som dos alto-falantes que transmitiam os cantos de um lama vindos de um templo nas proximidades.

    Brandida por trabalhadores que estavam demolindo uma fileira de casas, a motosserra assinalava o fim iminente de milhares de moradias monásticas erguidas à mão em Larung Gar, o maior instituto budista do mundo.

    Gilles Sabrie-8.out.2016/The New York Times
    Monks check religious books for sale on the street in Larung Gar, China, Oct. 8, 2016. In Larung Gar, the world’s largest Buddhist institute, demolition teams are cutting through an extraordinary vista of hand-built red dwellings. (Gilles Sabrie/The New York Times)
    Monges tibetanos compram livros religiosos nas ruas de Larung Gar

    Desde que foi fundado, em 1980, Larung Gar tornou-se um aglomerado extraordinário e surreal, formado por incontáveis casinhas pintadas de vermelho e dispostas em volta de templos, estupas e grandes rodas de orações espalhadas por este remoto vale tibetano.

    Larung Gar se converteu em uma das instituições mais influentes do mundo tibetano; os ensinamentos de seus monges seniores são elogiados, debatidos e difundidos de lá até o Himalaia. Nos últimos anos seus discípulos popularizaram um movimento "das dez novas virtudes", baseado nas crenças budistas, disseminando sua mensagem por toda a região.

    As autoridades chinesas estão intensificando o controle sobre o assentamento. Muitos tibetanos e seus defensores consideram que o que está acontecendo é um golpe grave contra a prática religiosa tibetana.

    Numa tarde recente, trabalhadores usando capacetes desmontavam celas construídas por monges e monjas ao longo de uma escarpa. Enquanto jogavam vigas de madeira e lonas de plástico ao chão, monjas vasculhavam os escombros, procurando seus pertences. A cena era observada por homens que pareciam ser policiais à paisana, sentados do outro lado da rua.

    Gilles Sabrie-8.out.2016/The New York Times
    A Buddhist monk passes workers dismantling homes in Larung Gar, China, Oct. 8, 2016. China says the settlement is overcrowded and unsafe, but Tibetans claim the government’s aim is to weaken centers of power that can rival it. (Gilles Sabrie/The New York Times)
    Monge budista caminha entre casas em demolição em Larung Gar

    Centenas de budistas já foram obrigados a deixar a área. Um monge que observava a destruição me disse que não pretendia deixar sua casa, do outro lado do vale. Como outros entrevistados para esta reportagem, ele exigiu anonimato para falar, para evitar ser alvo de represálias das autoridades.

    "Ouvi dizer que minha casa vai ser demolida", ele disse. "Não sei se vão me deixar ficar."

    A tensão é acirrada entre os tibetanos e o governo chinês desde um levante que se espalhou pelo planalto tibetano em 2008. A repressão à sua cultura e vida religiosa ainda é a queixa principal dos tibetanos, e as restrições impostas a importantes instituições religiosas, como Larung Gar, alimentam esse ressentimento.

    Muitos tibetanos temem a erosão de sua língua, suas tradições e sua prática religiosa. A China ainda denuncia o Dalai Lama, o líder espiritual tibetano, e proíbe a disseminação de sua imagem em toda a região.

    Gilles Sabrie-8.out.2016/The New York Times
    Buddhist nuns go through the ruins of dismantled homes in Larung Gar, China, Oct. 8, 2016. China says the settlement is overcrowded and unsafe, but Tibetans claim the government’s aim is to weaken centers of power that can rival it. (Gilles Sabrie/The New York Times)
    Monjas tibetanas caminham entre casas demolidas em Larung Gar

    Segundo algumas estimativas, a população de Larung Gar chegaria a 20 mil pessoas, muitas delas clérigos que vieram para cá desde os cantos mais distantes deste planalto extenso. Budistas que são da etnia han, a principal da China, convivem lado a lado com tibetanos no local, situado a 16 horas de carro da capital provincial, Chengdu.

    Entrevistas feitas por residentes de Larung Gar e relatórios da Human Rights Watch, Radio Free Asia e grupos estrangeiros que defendem o Tibete indicam que as autoridades chinesas pretendem reduzir a população do local para 5.000 até o final do próximo ano, através de expulsões em massa. Há alguns meses, as autoridades começaram a deportar monges e monjas que não eram residentes cadastrados da área —a prefeitura de Garze, na província de Sichuan, que abrange uma seção grande da região tibetana tradicional de Kham.

    Os usuários tibetanos do WeChat, popular aplicativo chinês de rede social, dizem que as pessoas expulsas de Larung Gar são obrigadas a comprometer-se a nunca voltar. De acordo com residentes e grupos de defesa dos direitos humanos, até outubro até mil pessoas teriam sido forçadas a ir embora.

    Gilles Sabrie-8.out.2016/The New York Times
    A Buddhist nun with a prayer wheel in Larung Gar, China, Oct. 8, 2016. In Larung Gar, the world’s largest Buddhist institute, demolition teams are cutting through an extraordinary vista of hand-built red dwellings. (Gilles Sabrie/The New York Times)
    Monja budista caminha por Larung Gar

    Um artigo publicado em junho em um site do Estado chinês citou um funcionário do partido, Hua Ke, que teria dito que as autoridades não estavam expulsando residentes ou destruindo seus alojamentos. Em vez disso, disse o funcionário, estavam examinando o assentamento lotado "para eliminar riscos ocultos e proteger a segurança e propriedade pessoal dos monges e monjas".

    Quando as demolições começaram, as autoridades barraram o acesso de estrangeiros à região. Policiais montaram dois postos de verificação na entrada do vale. Mesmo assim, no mês passado eu consegui entrar em Larung Gar com dois colegas.

    Não havia ninguém presente em um importante posto de verificação na estrada, e na entrada do vale embarcamos em ônibus que nos levaram para o coração da vila. Também havia turistas chineses visitando o lugar, muitos atraídos pela oportunidade de assistir a um sepultamento celestial, um ritual funerário tibetano realizado ao ar livre, em que um homem retalha um corpo para que os restos mortais possam ser consumidos por abutres.

    Ao meio-dia, monjas trajando vestes vermelhas se reuniram no convento principal. Clérigos entravam e saíam de suas casas espalhadas pelas vielas tortuosas; as casas eram pouco mais que barracos construídos com vigas de madeira e lonas de plástico ou chapas de metal. Monges falando mandarim —provavelmente da etnia han— escavavam um canal de esgoto.

    Gilles Sabrie-8.out.2016/The New York Times
    Monks in gather in Larung Gar, China, Oct. 8, 2016. In Larung Gar, the world’s largest Buddhist institute, demolition teams are cutting through an extraordinary vista of hand-built red dwellings. (Gilles Sabrie/The New York Times)
    Monges se reúnem em Larung Gar

    Tudo parecia uma cena comum do cotidiano, sem nada de anormal, até chegarmos a uma grande roda de orações na via principal que sobe pelo lado norte do vale. Ao lado da roda, quatro trabalhadores de capacete arrancavam o teto metálico de uma casa. Ao lado, escombros de outra casa demolida se espalhavam por um terreno.

    Prosseguimos morro acima. No alto da escarpa vimos uma longa fileira de casas sendo demolidas por trabalhadores. Ouvimos uma motosserra em ação, e havia uma máquina amarela de terraplanagem ao lado.

    Essa destruição estava acontecendo em uma parte de Larung Gar que é dotada de significado religioso especial. As casas tinham sido construídas do outro lado do vale em relação à estupa em posição mais elevada do assentamento. Peregrinos e residentes costumam andar em volta da estupa, girando rodas de orações que seguram nas mãos.

    O governo diz que a vila está superlotada, e é fato. Há esgotos e poços de lixo a céu aberto. Em 2014, um incêndio destruiu cerca de cem casas em Larung Gar. Mas os tibetanos dizem que, em vez de expulsar moradores, o governo poderia construir enclaves novos, mais limpos. Eles acreditam que o verdadeiro objetivo do governo é enfraquecer os centros de poder que possam rivalizar com ele.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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