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    OPINIÃO

    Coreia do Norte, Síria e Irã são desafios para Donald Trump

    DO "NEW YORK TIMES"

    02/12/2016 17h22

    O fato de Donald Trump estar tendo dificuldades na escolha de um secretário de Estado reforça os receios quanto à sua capacidade de administrar os desafios internacionais que ele enfrentará na Presidência, desde a agressão de líderes como Vladimir Putin, da Rússia, até o Estado Islâmico, passando por tensões entre aliados da Otan.

    Às vezes o discurso de Trump na campanha sugeriu novas abordagens; em outros momentos ele propôs uma confusão de ideias contraditórias. Seu mantra "a América primeiro" dá a entender que os EUA terão um papel internacional reduzido, mas Trump também advogou uma postura intransigente em relação a adversários. Tudo isso gera uma imprevisibilidade perturbadora e que já afetou o pensamento e as ações de governos e empresas. Ainda há poucos sinais de que Trump, que vem recusando briefings diários das agências de inteligência, compreende essas ameaças e como lidar com elas.

    Jim Watson/AFP
    O presidente eleito Donald Trump durante encontro com o presidente Barack Obama na Casa Branca
    O presidente eleito Donald Trump durante encontro com o presidente Barack Obama na Casa Branca

    Coreia do Norte: uma primeira prova para Trump pode ser a Coreia do Norte, que dentro em breve pode possuir combustível nuclear suficiente para 20 bombas e poderá colocar ogivas em mísseis capazes de alcançar a Coreia do Sul, Japão e ativos dos EUA no Pacífico. Especialistas dizem que a produção norte-coreana de mais e melhores bombas elevou as chances de um confronto militar. Trump ameaçou aplicar tarifas sobre as exportações da China, em parte para forçar Pequim a exercer mais pressão sobre Pyongyang. Como principal fornecedora da Coreia do Norte, a China é crucial para a solução do problema nuclear. Mas elevar as tarifas sobre as exportações chinesas geraria o risco de uma guerra comercial e reduziria as chances de cooperação.

    O Estado Islâmico e a Síria: forças dos EUA estão participando de grandes batalhas para libertar Mossul, no Iraque, e Raqqa, na Síria, da milícia terrorista Estado Islâmico e estão combatendo extremistas em outras regiões, incluindo o Mali. Trump, que já afirmou "sei mais sobre o EI que os generais", não propôs nenhum plano, exceto por dizer "eu os bombardearia até a pqp".

    Em relação à Síria, ele falou em abandonar o apoio dos EUA aos rebeldes que lutam para depor o presidente Bashar al-Assad e em juntar-se à aliança entre Assad e a Rússia, parceira de Assad no bombardeio de civis sírios. Após 500 mil mortes, não há fim à vista para a guerra civil travada há cinco anos, que criou caos, permitindo que o EI surgisse, se fortalecesse e tomasse conta de grandes partes do território sírio.

    Um esforço unido para combater o EI exigiria um acordo de paz entre Assad e as forças oposicionistas. Mas o secretário de Estado John Kerry não conseguiu convencer a Rússia a pressionar Assad nessa direção. Trump parece estar confiante em sua possibilidade de cooperar com Putin, mas não está claro que a Rússia aceite qualquer acordo a não ser que Assad possa permanecer no poder por tempo indeterminado, algo que os sírios que ele brutalizou dificilmente aceitarão.

    Irã: Trump prometeu rasgar o acordo de 2015 pelo qual o Irã suspendeu suas atividades nucleares mais perigosas em troca do levantamento da maioria das sanções internacionais. O acordo está funcionando, como reconhecem muitos de seus críticos no Congresso e no Oriente Médio. Mas Trump escolheu um assessor de segurança nacional e um diretor da CIA que se opõem cabalmente ao acordo, independentemente das consequências que sua revogação possa ter. Se o pacto for descartado, é quase certo que o Irã retome seu programa nuclear. Os parceiros dos EUA no pacto –Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China– não voltarão a impor sanções devido à busca quixotesca de Trump por alguma espécie de "acordo melhor", e as empresas americanas serão ainda mais prejudicadas na concorrência pelos mercados iranianos.

    Esse é o tipo de crise que um novo presidente não pode se dar ao luxo de provocar. Moderados iranianos abertos à possibilidade de engajamento com o Ocidente disputam o poder com representantes da linha dura antiocidental. A linha dura espera explorar a hostilidade de Trump para assegurar que o presidente Hassan Rowhani, que negociou o acordo nuclear, seja derrotado em sua campanha de reeleição em 2017. Deve ser importante para a América qual lado saia vencedor.

    Proliferação nuclear: dentro em breve Trump vai comandar o arsenal nuclear americano. Na campanha, ele falou casualmente na possibilidade de retaliar o Estado Islâmico com uma arma nuclear e sobre a possibilidade de Japão, Coreia do Sul e Arábia Saudita desenvolverem seus próprios arsenais nucleares, em vez de dependerem das alianças de defesa com os Estados Unidos. Desde a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos procuram prevenir a guerra nuclear e a ampliação dos arsenais nucleares. Será catastrófico se uma arma nuclear for usada durante a Presidência de Trump ou se sua postura encorajar mais países a dotar-se de tais armas.

    Ordem global: o questionamento por Trump do valor da Otan, outras alianças e o papel da América no mundo abalou as instituições fundamentais que garantem a paz na Europa e outras regiões há décadas. Mas Trump não propôs nenhuma análise coerente do que vai mal nessas alianças nem do que deve tomar o lugar delas. Sua predileção por ditadores como Putin e o presidente egípcio Abdel-Fattah el-Sissi, que ele qualificou como "um sujeito fantástico", sugere indiferença ou mesmo desdém pelos esforços de promoção dos direitos humanos e da democracia. Trump não demonstra estar preocupado com o expansionismo russo na Ucrânia. Seu plano de tirar os EUA da Parceria Transpacífica sugere uma disposição de deixar que a China amplie sua influência na Ásia.

    Os presidentes têm amplos poderes para agir unilateralmente na política externa, e a posição que ocupam garante que serão amplamente ouvidos. Mesmo assim, o Congresso, os diplomatas, grupos de interesse, a mídia e líderes estrangeiros podem ajudar a moldar, informar e frustrar intenções presidenciais. Há muitos anos o mundo conta com os EUA como mão firme e estável no leme. Os desafios serão mais complexos do que Trump jamais imaginou. Existem poucas razões para acreditar que ele oferecerá liderança forte em todas essas frentes, mas há todos os motivos para esperar que sim.

    Editorial publicado pelo jornal "The New York Times"

    Tradução de Clara Allain

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