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    ANÁLISE

    Referendo na Itália pode ser novo golpe à UE

    MATHIAS DE ALENCASTRO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    04/12/2016 02h00

    Andreas Solaro/AFP
    Funcionárias preparam cédulas e urnas em Roma para o referendo que acontece neste domingo (4)
    Funcionárias preparam cédulas e urnas em Roma para o referendo que acontece neste domingo (4)

    O referendo constitucional deste domingo na Itália pode ser o catalisador do que era impensável até poucos meses atrás: o desmantelamento da União Europeia.

    Se isso acontecer, a história dirá que dois golpes de pôquer aceleraram inadvertidamente o colapso do projeto europeu. À imagem do ex-premiê britânico David Cameron quando lançou o referendo que provocou o "brexit", o premiê italiano, Matteo Renzi, convocou o referendo constitucional quando atravessava um momento de grande popularidade.

    Renzi, 41, toscano com uma carreira meteórica que o viu passar de prefeito de Florença a premiê em cinco anos, parecia ter sido bem sucedido num contexto em que quase todos os lideres europeus fracassaram.

    Conseguira impor reformas exigidas por Bruxelas e ao mesmo tempo conservar, e até ampliar, a base eleitoral.

    Inicialmente, o referendo, que trata da redução do papel do Senado, serviria para confirmar seu domínio político e mostrar aos europeus que a Itália, o homem doente da zona do euro, podia ser reformada e modernizada.

    Renzi estava tão confiante que prometeu renunciar caso sofra uma derrota. Porém, o "brexit" e a eleição de Donald Trump transformaram a paisagem política europeia, colocando Renzi em grande dificuldade.

    Houve ainda a capitulação do presidente francês, François Hollande, na semana passada. Sua decisão de não se candidatar a um segundo mandato deu ainda mais força à ideia de que a Europa atravessa um momento de profunda renovação política.

    A queda de Renzi tem tudo para desencadear uma sequência potencialmente letal para a UE. A expectativa de poder dos populistas liderados por Beppe Grillo, favoritos em caso de eleições legislativas antecipadas, causaria problemas à dívida externa italiana, arrastando os demais países da Europa do Sul para outra crise financeira.

    No clima atual de eurofobia exacerbada, a aprovação de uma ajuda de emergência da UE poderia colocar em risco a reeleição de Angela Merkel em 2017.

    Um eventual sucesso de Renzi no referendo poderá revelar-se uma vitória frágil para os defensores da construção europeia.

    Neste mesmo domingo, a Áustria elegerá seu próximo presidente, ao que tudo indica um candidato de extrema-direita favorável a uma aproximação com a Rússia.

    Na França, François Fillon, outro pró-russo, parece destinado à vitória nas presidenciais de 2017.

    Ao impor reformas econômicas impopulares e muitas vezes contraproducentes, os líderes europeus expuseram os Estados-membros a ameaças internas -os populismos de esquerda e direita- e externas -o jogo de influência geopolítica da Rússia. Duas dinâmicas simbióticas que podem ditar o fim do projeto mais ambicioso das democracias liberais do século 20.

    MATHIAS DE ALENCASTRO é doutor em Ciência Política na Universidade de Oxford

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