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    Invasão de turistas chineses causa estranhamento em aldeia britânica

    DAN BILEFSKY
    THE NEW YORK TIMES, DE KIDLINGTON (REINO UNIDO)

    06/12/2016 17h18

    Os visitantes chineses saíram de um ônibus de turismo e de repente pararam, paralisados, como se estivessem maravilhados com a Vênus de Milo ou com a Torre Eiffel. Em seguida, começaram a fotografar uma casa suburbana comum dos anos 1970, um carvalho, uma roseira e uma lata de lixo.

    "É lindo", disse Liu Jingwen, da província de Guangdong, enquanto uma das suas companheiras de viagem se agachava com a câmera na beira de um gramado e fazia uma selfie em frente de um pequeno bangalô de tijolos vermelhos. Um schnauzer de porcelana sorria, em uma janela próxima. Um pedestre irritado gritou: "Nada de fotos! Vamos chamar a polícia!".

    Elizabeth Dalziel-17.nov.2016/The New York Times
    Chinese tourists take pictures in Kidlington, England Nov. 17, 2016. The rather ordinary village has found itself a popular stop for Chinese visitors who snap photographs of their simple homes and streets. (Elizabeth Dalziel/The New York Times) - XNYT51
    Turistas chineses tiram foto em Kidlington

    Desde que vários ônibus cheios de turistas chineses começaram a chegar a esta aldeia inglesa sonolenta e desinteressante no verão deste ano, os 13.723 residentes de Kidlington, a cerca de oito quilômetros ao norte de Oxford, vêm ficando entre confusos, irritados e fascinados.

    A súbita chegada de chineses também conquistou manchetes e gerou um mistério nacional.

    Por que, por exemplo, os turistas chineses ignoram a bela igreja da aldeia, do século 13, seus chalés de telhado de palha, e preferem, em vez disso, olhar pelas janelas, filmar carros estacionados e caminhar pelos gramados da Benmead Road, uma rua residencial e moderna, sem nenhuma graça? Um turista perguntou a uma moradora perplexa se ele podia ajudá-la a cortar sua grama —ela recusou educadamente. Outro pulou alegremente na cama elástica de uma criança no jardim da casa.

    Uma teoria, difundida com fervor pelos meios de comunicação britânicos, é que os turistas chineses tinham sido informados por um agente de turismo desonesto que a aldeia era o local da Privet Drive, número 4, a casa de infância de Harry Potter, o bruxo da ficção. Na verdade, a casa fica em Bracknell, Berkshire. O jornal "The Sun" se indagou sobre a possibilidade de que forças sobrenaturais tivessem levado os chineses a Kidlington.

    Outros sugeriram que os chineses haviam sido atraídos pela propaganda de Kidlington de ser uma das maiores aldeias do reino. Ou será que eles queriam ver a mansão de Kidlington que alguma vez foi ocupada por Richard Branson, o bilionário descabelado?

    O interesse no enigma é tanto que a rede BBC enviou uma equipe de filmagem para Kidlington, bem como um questionário em mandarim, em que perguntava aos chineses por que estavam indo para lá. Em uma página do Facebook dedicada ao lugar, resolver o enigma se tornou um popular jogo paroquial.

    Kidlington teve seus momentos. Uma história nos registros locais conta que em 1937 três lobos siberianos escaparam do zoológico da aldeia, causando grande pânico. E, em 1987, o presidente do conselho local desencadeou uma revolta quando tentou transformar a aldeia em cidade.

    Elizabeth Dalziel-17.nov.2016/The New York Times
    The Gothic church of St. Mary the Virgin in Kidlington, England, Nov. 17, 2016. The rather ordinary village has found itself a popular stop for Chinese visitors who snap photographs of their simple homes and streets. (Elizabeth Dalziel/The New York Times)
    Igreja gótica em Kidlington

    Mas, até agora, era só isso. Uma parte da Inglaterra central, Kidlington contém, entre outras coisas, uma biblioteca pública, sete bares, dois cafés, quatro restaurantes, uma rua comercial principal com uma sucursal da pizzaria Domino's, um centro de detenção de imigrantes e uma igreja batista com um cartaz do lado de fora que diz: "Tente orar". Uma casa geminada de três quartos custa cerca de US$ 430 mil (aproximadamente R$ 1,5 milhão), de acordo com corretores de imóveis locais.

    Recentemente, no King's Arms, um popular pub local, vários habitantes de Kidlington fizeram um banquete com pratos de US$ 8,55 (R$ 29), com cordeiro, ervilhas e molho de hortelã, e compartilharam a perplexidade com a nova fama da cidade, enquanto Millie, o cachorro do pub que tem apenas um olho, ia de um lado para o outro. O pub é assombrado por uma residente fantasma, chamada Martha, que trabalhou no bar na década de 1950 e que às vezes é vista fazendo tricô, disse Christine McGrath, sua bem-humorada gerente. Um cartaz com os dizeres "veteranos rabugentos do clube" está pendurado sobre o local onde três habitués se sentam toda semana para se queixar da vida.

    O consenso no pub é que os convidados chineses, sem querer, tinham ajudado a anônima vila a ganhar atenção internacional, e que foram bons para a economia local. McGrath disse que os turistas chineses às vezes entraram no bar, pediram cerveja Guinness, fizeram uma careta e foram embora. "Os chineses nos colocaram no mapa", disse ela.

    Fran Beesley, 74, terapeuta ocupacional, disse que se surpreendeu ao sair de sua casa um dia e encontrar um homem chinês fotografando seu quintal enquanto a família dele o esperava por perto. "Gostaria de organizar um chá com scones para recebê-los", disse ela. Outros moradores estão se divertindo menos e chegaram a chamar a polícia.

    De fato, há uma explicação perfeitamente lógica para o porquê de hordas de turistas chineses estarem indo a Kidlington, e isso dificilmente vai prejudicar a reputação local.

    Sun Jianfeng, um guia turístico de 48 anos, da empresa Beijing Hua Yuan International Travel, disse que os guias normalmente acomodavam em Kidlington turistas que não queriam pagar um adicional de US$ 68 (cerca de R$ 232) por um passeio opcional, em chinês, pelo Palácio Blenheim, a majestosa casa ancestral de Winston Churchill, que está perto dali.

    Quando um ônibus turístico saiu da cidade, um grupo de visitantes chineses acenava das janelas, com um amplo sorriso. O passeio por Kidlington durou cerca de 15 minutos, mas isso foi mais do que suficiente para Liu.

    "É tão romântico", ela disse, como entre sonhos. E depois o ônibus foi embora.

    Traduzido por DENISE MOTA

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