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    Ao conduzir 'brexit', premiê adota estilo firme que ecoa o de Elizabeth 1ª

    GEORGE PARKER
    LIONEL BARBER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    12/12/2016 07h00

    A palavra "rainha" é fácil de aplicar a Theresa May. Remota, admirada, temida, a mulher que tomou as rédeas de um país preso às consequências do "brexit" sorri polidamente, em seu escritório na residência oficial dos primeiros-ministros britânicos, ao ser lembrada de que certa vez apontou a rainha Elizabeth 1ª como a figura histórica com quem mais se identificava.

    "Ela lutou pela Grã-Bretanha", diz a segunda mulher a chefiar o governo do Reino Unido, e encarregada de comandar o país na perigosa jornada para fora da União Europeia. Theresa May gosta de estar no controle; e ela claramente está tentando determinar até onde essa analogia com Elizabeth 1ª será levada. "Não estou certa de que fosse uma identificação consciente para com ela como líder mulher", ela se apressa a dizer.

    "Creio que o ponto era ela ser uma pessoa com uma visão muito clara sobre o que desejava fazer".

    Nos seus quase cinco meses como primeira-ministra, May foi acusada de agir como um monarca da era Tudor, tentando usar prerrogativas monárquicas a fim de dar início à saída britânica da União Europeia ("brexit") sem consultar o Parlamento. E há certamente algo de imperioso na mulher que está sentada saboreando o seu chá, e contemplando um país que está em um "ponto de inflexão" de sua história.

    O estilo firme de May obteve amplo apoio do público e acalmou os mercados depois do referendo do "brexit"; seu partido a admira, mesmo que não a ame. A primeira-ministra às vezes é brutal. Para Nick Clegg, seu antigo colega de gabinete, ela é uma "rainha do gelo"; para o jornal "Daily Mail", ela é a rainha do "se vestir para impressionar"; para Fraser Nelson, editor da revista "Spectator", ela é uma "rainha carrasca", ministrando justiça impiedosa aos rivais depois de substituir David Cameron.

    Como Elizabeth 1ª, Theresa May tem de enfrentar problemas na Europa e distúrbios em casa —entre os quais até mesmo escoceses irrequietos. E há alguma coisa de tragédia e história de vingança na maneira pela qual ela demitiu e humilhou antigos inimigos como George Osborne. Sua corte abriga impiedosos operadores políticos, entre os quais Gavin Williamson, o líder dos conservadores na Câmara dos Comuns, que tem em seu escritório uma tarântula de estimação chamada Cronus, em honra à figura da mitologia grega que castrou o próprio pai e lançou seus testículos ao mar.

    Mas a primeira-ministra teme que as comparações para com a dinastia Tudor estejam escapando ao controle quando surge a sugestão de que Liam Fox, seu ministro do Comércio Internacional, um partidário declarado do "brexit", possa ser o equivalente no século 21 ao corsário e almirante Sir Francis Drake. "Imagine aquelas calças apertadas!", ela brinca.

    Esse é um lado brincalhão da primeira-ministra que raramente é visto em público, ou mesmo por muitos dos parlamentares de seu partido. "Ela às vezes é muito divertida", insiste um de seus aliados. Para a maioria das pessoas que não fazem parte do minúsculo círculo de amigos íntimos de May, é difícil ver além da mulher muito bem postada que encontramos em seu escritório, imaculada em um blazer creme e gargantilha de contas pretas e pérolas.

    Enquanto David Cameron recebia os convidados de modo brincalhão, com sofás confortáveis e canecas de café, o estilo de liderança de May é refletido em sua decisão de trocar os móveis estofados por uma mesa de tampo de vidro. "Creio que cada pessoa tenha seu estilo de trabalho", ela diz. "Ter uma mesa ajuda, em minha opinião, e adiciona certo grau de formalidade".

    Theresa May Brasier nasceu em 1956 e cresceu em Oxfordshire, filha de um vigário anglicano sempre sisudo. "Não tenho pensamentos grandiosos a respeito do trabalho. Simplesmente o faço", ela diz. E isso é perceptível já no momento em que você entra na residência oficial. Todas as fotos da era de Cameron foram retiradas da sala de espera; as paredes ostentam apenas uma cópia literal das palavras que ela pronunciou em 13 de julho na porta da residência, ao assumir o posto.

    Naquele discurso, May prometeu que levaria em conta as lições mais amplas do "brexit", reconhecendo que o voto pela saída da União Europeia também representava uma rejeição da globalização e de uma economia e sociedade defeituosas. Ela prometeu defender os pobres, a classe trabalhadora branca, os negros, os jovens, as mulheres e os 93% dos britânicos que estudaram em escolas públicas e enfrentam dificuldade para chegar ao topo em suas profissões.

    As poltronas de Cameron, e sua tropa de ministros e assessores dispendiosamente educados, se foram. May demitiu Osborne e Michael Gove, que disputaram com ela a liderança do partido, e colocou Boris Johnson na coleira como secretário do Exterior. Em uma cerimônia de premiação política em maio, May brincou que, como a dona de um cachorro mal comportado, poderia colocar Johnson para dormir "quando deixar de precisar dele".

    Sua reforma do gabinete foi motivada por revanche, por vingança pela maneira pela qual liberais como Osborne a confrontaram durante os seis anos em que ela foi secretária do Interior e tentou sem sucesso controlar a imigração? "Não", ela diz, simplesmente. "O importante ao formar a equipe era unidade. Não importa que lado alguém tenha tomado quanto ao referendo, agora temos todos de nos unir e produzir resultados para o público".

    Há quem argumente que o estilo de governo de May é controlador demais, centralizado demais, para que ela possa levar adiante sua agenda de reforma social e econômica, quanto mais o "brexit", e que ela precisa aprender a dividir a carga.

    Ministros e funcionários públicos foram alertados por May na semana passada de que poderiam ser demitidos por vazamento de informações a jornalistas. Sir Jeremy Heywood, seu principal assessor, disse aos funcionários públicos que May espera ver "melhora rápida e visível\" e que "equipes de segurança" verificariam e-mails e registros telefônicos em busca de vazamentos de informação (uma ameaça que não impediu o memorando de Heywood de vazar).

    Ministros e funcionários temem os telefonemas da guarda pretoriana da primeira-ministra. Alguém sugeriu que seu chefe de gabinete, Nick Timothy, um homem de barba intrincada, poderia ser o Thomas Walsingham de May. Ela não demora a corrigir: "Francis Walsingham". (Sir Francis Walsingham era o mestre espião da rainha Elizabeth 1ª.)

    May gosta de deter firmemente as rédeas do governo e as informações. "Ela é muito econômica com sua confiança", diz um ex-colega. Corre a crítica de que embora May possa pedir a opinião de seus ministros e funcionários no começo de um processo, a decisão final sempre cabe a ela e seu círculo de assessores mais próximos. Esse círculo inclui muitas das pessoas com quem ela trabalhava na Secretaria do Interior, entre as quais os ministros Damian Green, Karen Bradley e James Brokenshire, mais Timothy e Fiona Hill. "Esses dois construíram uma muralha em torno dela", diz um antigo colega de May na Secretaria do Interior.

    "Sim, tenho uma equipe ao meu redor, e ela inclui pessoas com quem já trabalhei e pessoas com quem nunca trabalhei", diz May. "O que fiz foi recriar os subcomitês de gabinete. Há uma discussão muito mais aberta e livre entre colegas de gabinete sobre diferentes questões políticas". Os ministros concordam em que May autoriza discussões amplas nos estágios iniciais do processo decisório, mas mesmo seus partidários afirmam que ela precisa aprender a delegar.

    Catherine Meyer, amiga da primeira-ministra, a descreve como "uma pessoa muito trabalhadora mas não workaholic. Ela é detalhista, e terá de abrir mão disso, um pouco". Meyer, mulher do antigo embaixador britânico em Washington, Sir Christopher Meyer, acrescenta que Philip, o marido de May, executivo de um banco de investimento, terá papel importante. "Ele é a pessoa que dirá que ela precisa de descanso, que eles precisam caminhar nas montanhas".

    May insiste: "Não tomo todas as decisões. Todo mundo pensa que de repente todos os assuntos são encaminhados a mim como primeira-ministra. Mas há algumas decisões cruciais que evidentemente eu mesma tomo". A maior delas até o momento foi aprovar, com algumas ressalvas quanto a futuros investimentos estrangeiros, a usina nuclear de Hinkley Point, que está sendo construída com dinheiro chinês e francês.

    Além de sua controversa proposta para recriar as escolas de segundo grau seletivas, o julgamento de May quanto a questões que variam de combater a cobiça das grandes empresas a promover o investimento em infraestrutura, vem sendo marcado por cautela, o que a expõe a acusações de que suas ações não estão à altura dos desafios que constam da lista que enfeita a parede de sua residência oficial.

    Mas a decisão que definirá seu governo será como exatamente levar adiante o "brexit". May, que muitas vezes trabalha até de madrugada quanto às grandes questões, não ofereceu muita indicação aos colegas de gabinete sobre se buscaria um "rompimento completo" com a União Europeia ou tentaria o chamado "brexit suave", com a preservação de elos econômicos mais próximos. Seus instintos cautelosos sugerem que ela buscará um "brexit cinzento" —mais ou menos a meio caminho das duas opções anteriores. "Nessas reuniões, o comportamento dela é muito parecido com o de uma esfinge", diz um ministro.

    May, eleita para o Parlamento em 1997 como uma das apenas 13 mulheres na bancada conservadora, não recebe essa crítica ao seu estilo com agrado. "Não é questão de as pessoas terem merecido minha confiança", ela diz. "É uma questão de qual é o lugar correto para cada decisão". Quanto ao "brexit", a responsabilidade é claramente dela, e May declarou que invocará o Artigo 50 do Tratado de União Europeia até março do ano que vem, quando as negociações sobre a saída britânica começarão a sério.

    "É importante que não esperemos demais, ou as pessoas perderão a fé nos políticos e pensarão que estamos tentando enganá-las". Mantendo um olho na situação interna, onde os conservadores céticos quanto à União Europeia estão ansiosos por levar o "brexit" adiante o mais rápido possível, ela está pensando no futuro, em Bruxelas, com as negociações para saída da União Europeia começando no ano que vem.

    "O que venho dizendo às pessoas é que quero ver um processo o mais liso e ordeiro possível", ela diz. May apoiou a permanência na União Europeia, mas foi quase invisível na campanha, para fúria de Cameron. "Com certeza vai ser complexo, porque há muita coisa a enfrentar", ela diz. "Você não é membro de alguma coisa por 40 e poucos anos e sai com facilidade".

    Ela aceita que os demais 27 países membros têm suas agendas, e sinaliza -nas palavras de Samuel Johnson, que o Reino Unido não deve esperar "guardar o bolo e comer o bolo" ao mesmo tempo. "Eles não querem que outros países busquem sair e votem por fazê-lo como o Reino Unido fez", ela diz. A atmosfera das negociações pode ser tensa. "Coisas serão ditas", ela afirma. "Creio que seja importante para nós construir um relacionamento com as pessoas que negociarão conosco".

    Um relacionamento, especialmente, sofrerá forte escrutínio. May viajou a Berlim para conversar com Angela Merkel logo que assumiu o posto, e as duas descobriram ter muita coisa em comum. Merkel é apenas dois dias mais velha que May, que completou 60 anos em outubro, e as duas são filhas de religiosos, não gostam de conversa mole política e fazem das caminhadas nos Alpes sua principal forma de lazer.

    Mas enquanto Cameron colocava seu relacionamento com Merkel acima de tudo mais —e frequentemente se via desapontado quanto a primeira-ministra alemã não atendia às suas expectativas -, May é mais circunspecta. "Creio que seja importante criar um relacionamento com as pessoas que estarão sentadas em torno da mesa europeia. Haverá 27 países membros que participarão das negociações".

    Por enquanto, May exerce controle férreo sobre seu governo e partido. Mas o controle não baseia em uma rede complexa de partidários ou informantes fora de seu círculo mais próximo. Baseia-se em sua competência patente e em sua popularidade no país. O governo conservador que ela lidera tinha 16 pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas em uma recente pesquisa da ICM, e estava na dianteira também entre os eleitores de classe trabalhadora. A cantora Kate Bush disse à revista canadense "Maclean's" que "é ótimo ter uma mulher no comando do país. Ela é muito sensata e está se saindo bem, por enquanto".

    "No papel, não deveria funcionar", disse James Cleverly, astro em ascensão no partido conservador. "Ela não tinha a base de poder ou um grupo lutando por ela na decisão sobre quem lideraria o partido. Mas quando Cameron saiu, muitos de nós chegamos à conclusão de que ela seria boa nisso, que ela seria a pessoa certa".

    Outro parlamentar conservador disse que "ela é fácil de admirar mas difícil de gostar. Muitos dos parlamentares conservadores sentem que não a conhecem de fato. O que estamos vendo agora é a admiração por ela que os parlamentares conservadores percebem de parte do eleitorado sendo refletida de volta ao Parlamento". Isso pode mudar rapidamente, é claro, se o clima da opinião pública mudar ou se derrotas parlamentares quanto ao "brexit" começarem a solapar o apoio de que May desfruta. A vitória dos liberais democratas, que são a favor de ficar na União Europeia, em uma eleição suplementar em Richmond Park, na semana passada, reduziu a maioria de May na Câmara dos Comuns a 13 cadeiras.

    May admite não ser o tipo de líder que frequenta os bares da liderança conservadora para ganhar a confiança de seus liderados. As conversas informais com ela muitas vezes terminam abruptamente, sem conclusão discernível. Um antigo assessor de Cameron diz que "não há calor humano, não há engajamento. Ela não tem capital político para queimar".

    Já houve a sugestão de que os parlamentares conservadores de meia-idade podem estar encantados com May da mesma maneira que muitos deles costumavam pensar lubricamente sobre Margaret Thatcher. Sarah Sands, editora do "London Evening Standard", sugeriu que havia algo de emblemático no pendor de May por calças de couro da grife Amanda Wakeley, que custam mil libras. "O estilo de poder centralizado da primeira-ministra tem um lado dominatrix muito selvagem", ela escreveu. "Nesse governo, é ela que usa as calças".

    Mas um ministro do gabinete diz que "a cara do partido no Parlamento mudou um tanto, desde os dias do culto a Thatcher, quando a bancada era formada por pessoas que foram mandadas para colégios internos com sete anos de idade e sentiam fixação por suas babás".

    De sua parte, May gosta de conservar informalmente com os homens da bancada conservadora. Um deles, Richard Bacon, lastimou o sofrimento dos "gordinhos de meia-idade" na hora de responder a perguntas na Câmara dos Comuns, e a resposta da primeira-ministra foi "venha me visitar quando quiser". Ela flerta com os colegas? "Oh, que ideia mais absurda", sorri May. E depois revela: "Encontrei-me com ele ontem, e ele disse que está tentando perder peso".
    Donald Trump sugeriu em sua primeira conversa telefônica com May que eles poderiam reproduzir a dupla Reagan-Thatcher dos anos 80, mas a primeira-ministra diz a assessores que não aprecia comparações "preguiçosas" com Thatcher. "Minha primeira conversa com ele foi boa e acho que ele dá valor ao relacionamento especial [entre os dois países]", ela diz. "Mas jamais me vi no papel de outra pessoa, ou como alguém que faria meu trabalho da mesma maneira que outra pessoa".

    May foi recentemente acusada por Harriet Harman, vice-líder do Partido Trabalhista de "não ser uma irmã" quanto aos direitos da mulher, e foi acusada de votar em favor do corte de benefícios às mães trabalhadoras aprovado pelos conservadores. O comentário indignou os amigos da primeira-ministra.

    Catherine Meyer apontou que May é "passional quanto às questões da infância, questões que afetam as mulheres, questões de escravidão moderna"; toda uma geração de mulheres conservadoras diz que o trabalho de May com o grupo de apoio Women 2 Win as ajudou a chegar ao Parlamento.

    Meyer diz que "ela é uma mulher normal. Há uma meninice na maneira pela qual ela se veste. Ela gosta de roupas. Sabe rir. Mas não precisa que as pessoas gostem dela. Essa é uma grande vantagem. Ela não está lá para agradar, e é basicamente uma pessoa séria".

    May aceita que, como mulher na política, está sujeita a escrutínio adicional. O "Daily Mail" está entre os diversos jornais a dedicar páginas ao seu modo de vestir, especialmente sua paixão por sapatos. Isso a incomoda? "Bem, eu acho bom quando as pessoas dizem coisas gentis", ela sorri.

    A primeira-ministra também parece reconhecer que sua forma de vestir é uma maneira segura de permitir que o público olhe para além de sua fachada. "Se a atenção das pessoas ao que visto me preocupa? Não", ela diz. "Há uma história que pode ilustrar o motivo. Alguns anos atrás, entrei em um elevador na Câmara dos Comuns com uma jovem que estava usando sapatos bonitos, e comentei que eles eram bonitos. E ela respondeu que também gostava dos meus sapatos. E depois acrescentou: 'Entrei na política por causa dos seus sapatos'".

    May bebe mais um gole de chá. "Não tive tempo de ouvir a história toda, mas algo que faça com que as pessoas sintam que podem se aproximar de um político, ou que os políticos são pessoas como elas, e não uma espécie diferente - bem, acho que isso é muito importante".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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