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    Roedores estão fora de controle em Paris, e a culpa é da União Europeia

    ALISSA RUBIN
    DO "NEW YORK TIMES"

    16/12/2016 12h00

    Nas frias manhãs de inverno, a maioria dos parisienses passa apressadamente pela praça, agora interditada, que abriga a bela torre medieval Tour St. Jacques. Apenas ocasionalmente eles param, talvez ouvindo um ruído em meio às folhas caídas ou vislumbrando alguma coisa correndo em meio à folhagem.

    Um pássaro? Um gato? Um cachorrinho?

    Não. Um rato.

    Não. Três ratos.

    Não. Olhando melhor, são 10 ou 12 ratos, com pelagens cinzentas lustrosas, zanzando em meio às folhas secas do outono.

    Paris está enfrentando a sua pior crise de ratos em décadas. Nove parques e espaços verdes da cidade foram total ou parcialmente interditados. Alguns, como o Champs de Mars, que abriga a Torre Eiffel, estão sendo "desratizados" seção por seção.

    "Em 39 anos, nunca vi uma situação como essa", disse Gilles Demodice, diretor do departamento de controle de zoonoses da prefeitura de Paris, para a qual vem trabalhando por quase toda a sua vida adulta.

    9.dez.2016 - Pierre Terdjman/The New York Times
    Ratos na praça St. Jacques, em Paris
    Ratos na praça St. Jacques, em Paris

    Alguns dos lugares infestados por ratos não podem ser fechados de todo, como por exemplo o arborizado Boulevard Richard Lenoir, que atravessa um bairro com pouco verde e é muito querido pelas mães, que passeiam nele com seus carrinhos de bebê, e pelos corredores –mas também, ao que parece, por clãs inteiros de ratos.

    Invasões por ratos são um problema antigo em Paris –e também um problema novo–, e é difícil resolvê-lo. Em 2014, a prefeitura prometeu que a cidade seria 100% desratizada.

    No século 19, os ratos aterrorizavam e enojavam os parisienses, sabedores de que cinco séculos antes haviam sido as criaturas que trouxeram a peste bubônica à cidade, do lado oposto do Mediterrâneo.

    A praga devastou Paris, assim como boa parte da Europa, causando um total estimado em 100 mil mortes na capital francesa, entre um terço e metade da população da cidade na época. E novas pragas se repetiram ao longo dos quatro séculos seguintes. Não surpreende que a experiência tenha causado aversão milenar aos roedores, em Paris.

    Hoje, ninguém mais fala sobre uma Paris 100% livre dos ratos. Mas por que o problema se tornou mais grave agora do que no passado recente?

    "Não sabemos exatamente o motivo", disse Demodice. "Creio que possa ser por excesso de população no subsolo, já que o habitat natural desses animais são os esgotos, o subsolo, não a superfície".

    "Nossa tarefa é reconduzi-los ao seu lugar", afirmou.

    Mas por que os ratos estão proliferando? Seria por causa de um dos bodes expiatórios favoritos de todos –a União Europeia e seus burocratas sem rosto, que não prestam contas a pessoa alguma?

    Sim, pode ser.

    9.dez.2016 - Pierre Terdjman/The New York Times
    Rato corre entre bancos da praça St. Jacques, em Paris
    Rato corre entre bancos da praça St. Jacques, em Paris

    Novas regulamentações emanadas de Bruxelas, a sede da União Europeia, forçaram os países membros a mudar a maneira pela qual usam veneno para ratos, disse o Dr. Jean-Michel Michaux, veterinário e diretor do Instituto Científico e Técnico para Animais Urbanos, em Paris.

    A velha maneira de envenenar os roedores envolvia uma espécie de serviço de comida delivery letal, sob o qual funcionários dos parques colocavam grãos de veneno diretamente nas tocas em que os ratos vivem, ou espalhavam um pó venenoso pelas vias subterrâneas usadas por eles.

    O veneno aderia à pelagem dos ratos e "quando o rato se lambia para se limpar, absorvia o pó e era automaticamente envenenado", disse Michaux.

    Os dois métodos queriam dizer que o rato provavelmente teria contato direto com a substância letal. O animal tipicamente morria dois ou três dias mais tarde. O veneno é um anticoagulante que termina por causar desidratação, hemorragia interna e morte.

    No entanto, o velho método pode facilmente contaminar o abastecimento de água e o veneno pode ser ingerido por animais domésticos ou pessoas; o maior risco é para as crianças e mulheres grávidas, disse Michaux.

    Agora, a União Europeia requer que o veneno seja contido em pequenas caixas plásticas pretas, conhecidas como estações de isca, que os ratos precisam buscar ativamente.

    Em Paris, no entanto, durante a maior parte do ano os ratos não têm dificuldade para encontrar uma refeição a curta distância de suas tocas –pelo menos na região da Tour St. Jacques. E eles parecem preferir comer uma baguete largada pela metade, com manteiga e queijo, um pedaço de maçã ou os restos de um macarrão com ervilhas.

    Os três funcionários do parque encarregados de verificar as caixas de veneno espalhadas a intervalos de oito metros pela vegetação da Tour St. Jacques não encontraram marcas de que os ratos tivessem consumido o veneno de qualquer delas, na sexta-feira passada (9).

    Patrick Lambin, 43, funcionário da prefeitura que trabalha na Praça St. Jacques, alegremente apanhou um rato morto usando um implemento usado para recolher lixo, na manhã da sexta-feira, e o girou no ar.

    "É o quarto que recolho", ele disse.

    Em quantos dias? Lambin deu de ombros. "Desde que começamos", Ou seja, duas ou três semanas antes.

    9.dez.2016 - Pierre Terdjman/The New York Times
    Funcionáriod a prefeitura na praça St. Jacques encontra rato morto no lixo
    Funcionáriod a prefeitura na praça St. Jacques encontra rato morto no lixo

    Embora o veneno possa ser um risco para os seres humanos, os ratos também o são –potencialmente, embora ninguém esteja sugerindo que é provável que a peste bubônica esteja por voltar.

    A espécie de rato responsável pela peste negra, como a doença era conhecida, é o Rattus rattus, um rato negro que chegou à Europa inicialmente por volta de 500 DC, e não é essa espécie de rato que está aparecendo nos parques de Paris.

    O rato que vem causando alarme na capital francesa é o Rattus norvegicus, relativamente novo na Europa, para onde veio, da Ásia, cerca de 150 ou 200 anos atrás. Ainda que não seja fácil adoecer em função de contato passageiro com esses ratos, eles portam doenças como a salmonela e a leptospirose.

    Mas o rato cinzento contemporâneo é, se não o melhor amigo do homem, no mínimo personagem constante e conhecido da vida parisiense. Onde existem homens, existem ratos, disse Demodice.

    Quem ouve Demodice, que passou boa parte de sua vida observando ratos, pode até sentir alguma afeição por eles.

    "Um rato é um animal muito inteligente e atlético", disse.

    "Os ratos desempenham papel muito importante para nós, porque aquilo que eles comem é algo com cuja eliminação não precisamos mais nos preocupar, o que é bem econômico para nós, e quando os ratos estão nos subterrâneos, eles limpam os canos com seus pelos ao correr por eles".

    "Por isso, precisamos conservá-los. Eles são como que nossos amigos, mas precisam ficar no subsolo. É tudo que pedimos: que fiquem lá embaixo".

    Tradução de Paulo Migliacci

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