• Mundo

    Friday, 03-May-2024 04:26:24 -03

    Nem tudo é alegria na Turquia, país de são Nicolau e do Papai Noel

    TIM ARANGO
    DO "NEW YORK TIMES", EM DEMRE (TURQUIA)

    20/12/2016 07h00

    Monique Jaques/The New York Times
    Vendedor arruma enfeites de Papai Noel em loja de Demre, na Turquia, onde nasceu são Nicolau
    Vendedor arruma enfeites de Papai Noel em loja de Demre, na Turquia, onde nasceu são Nicolau

    Os acidentados Montes Taurus elevam-se de um lado da igreja, enquanto o mar Mediterrâneo brilha ao longe, do outro. As buganvílias estão em flor, e as laranjeiras, carregadas de frutos. Ou seja: estamos muito distantes do Polo Norte.

    No entanto, ali, no centro da cidade, se vê a figura tão familiar, de barba branca e trajando vermelho. É o mais famoso filho de Demre: Papai Noel.

    Sim, Virgínia, você ouviu certo: Papai Noel nasceu na Turquia. Este ano, porém, o Natal em Demre estará longe de ser feliz.

    O homem que capturaria a imaginação de crianças de todo o mundo viveu no século 4 e foi bispo na atual Turquia, séculos antes de os otomanos invadirem estas terras e estabelecerem um poderoso império islâmico.

    Seu nome era são Nicolau, e sua igreja hoje é um museu. Nascido em família rica, ele distribuiu sua herança aos pobres em presentes anônimos que, segundo dizem alguns aqui, eram jogados pelas chaminés das casas.

    Enquanto milhões de crianças pelo mundo afora arrastam seus pais a shopping centers para se sentarem no colo do Papai Noel e lhe dizerem o que querem ganhar de Natal, quase ninguém vai a Demre.

    A Turquia tem uma abundância de problemas que afastaram os turistas: ataques terroristas frequentes, uma população crescente de refugiados sírios, prisões em massa após uma tentativa fracassada de golpe de Estado.

    Monique Jaques/The New York Times
    Família caminha perto da estátua de são Nicolau, que deu origem ao Papai Noel, em Demre, na Turquia
    Família caminha perto da estátua de são Nicolau, que deu origem ao Papai Noel, em Demre, na Turquia

    Parece que os únicos estrangeiros que ainda visitam Demre hoje em dia, em número pequeno, são russos, muitos dos quais veem são Nicolau como a terceira figura mais sagrada do cristianismo, depois de Jesus e Nossa Senhora.

    "Os russos não têm tanto medo quanto os europeus", comentou Okan Ozel, que trabalha no café da igreja São Nicolau. Não se preocupe com bombas terroristas, ele aconselhou um visitante. "E diga ao mundo para não ter medo. Temos polícia por aqui. Eles nem nos deixam colocar latões de lixo na rua."

    Com poucos visitantes para atender, Ozel, muçulmano que disse encarar São Nicolau como uma figura histórica importante, teve tempo de sobra numa tarde ensolarada recente para ficar sentado no café do museu, tomando chá e café turco e conversando sobre Papai Noel.

    "É verdade que ele jogava presentes pelas chaminés", disse Ozel. "O povo pobre daqui é muito orgulhoso e não teria aceitado presentes se São Nicolau os tivesse simplesmente dado. Era por isso que ele os jogava pela chaminé."

    A história famosa sobre São Nicolau que foi transmitida ao longo do tempo é a seguinte: quando ouviu falar de um homem pobre que estava obrigando suas filhas a se prostituírem porque não tinha dinheiro para pagar dote para elas, São Nicolau lhe deu ouro. Mas o fez de modo anônimo, jogando o ouro por uma janela ou, possivelmente, pela chaminé.

    "A coisa mais importante que São Nicolau fazia era ajudar as crianças", disse Ozel, indicando com a cabeça a estátua de um homem semelhante a Papai Noel, cercado de crianças, no pátio do museu. "Ele dava presentes às crianças."

    Seria fácil imaginar Demre tentando lucrar com sua história -quem sabe transformando o centro da cidade num vilarejo de Papai Noel na Anatólia.

    Mas o Natal é surpreendentemente pouco comercializado aqui, com a exceção de uma agência de locação de carros chamada Noel Rent a Car e do Noel Café, ambos utilizando Papai Noel como seu logotipo.

    E do outro lado da rua, em relação à igreja, há uma lojinha de presentes, com uma estátua em tamanho natural de Papai Noel em frente à loja. O lugar vende enfeites, ímãs, canecas, chás e sabonetes turcos.

    Também há estantes de uísque e vodca. "Isso é para os russos", explicou Natalya Mehmetoglu, que trabalha na loja. "Ninguém mais compra isso."

    Os moradores de Demre tendem a acreditar na história de São Nicolau e, de modo geral, ironizam a figura de Papai Noel popularizada no Ocidente, que enxergam como fruto de um comercialismo crasso.

    O guia turístico Erdal Karakos, que recentemente estava conduzindo alguns russos pelo museu, comentou: "Vocês o chamam de Papai Noel, mas os ortodoxos o chamam de criador de milagres."

    "Ele era um homem santo", disse Karakos. "Não tinha a roupa vermelha ou a barba" com que é retratado.

    Ele observou que a imagem popular de Papai Noel —o barrigão, a barba, a roupa vermelha e as renas— se originou em grande medida das imagens de Papai Noel dos anúncios da Coca-Cola, a partir dos anos 1930.

    Esses anúncios, por sua vez, foram inspirados no poema de 1823 "Uma visita de São Nicolau", célebre pela descrição que faz de Papai Noel como "um elfo velhinho e alegre". Hoje o poema é mais comumente descrito por seu primeiro verso, "Era a véspera de Natal".

    Tradução de CLARA ALLAIN

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024