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    Análise

    Retomada de Aleppo por Assad é o último suspiro da Primavera Árabe

    CLÓVIS ROSSI
    COLUNISTA DA FOLHA

    22/12/2016 18h19

    A retomada total de Aleppo pelas tropas do ditador Bashar al-Assad tende a representar o fim de uma das facetas do conflito sírio, mas dificilmente será a vitória definitiva na multifacetada guerra síria ou o fim, também, do genocídio.

    A derrota em Aleppo marca o crepúsculo da versão síria da chamada Primavera Árabe. Não convém esquecer que tudo começou com manifestações pela democracia, promovidas por grupos da sociedade civil, seguindo o exemplo da Tunísia e do Egito.

    A repressão violenta utilizada por Assad empurrou tais grupos para a luta armada, fechada como foi a via das manifestações pacíficas. São esses grupos que parecem agora definitivamente derrotados.

    Tendem, aliás, a sofrer novo massacre, agora na província de Idlib, a última grande concentração de rebeldes e para a qual se deslocou uma parte dos civis (e militantes radicais) derrotados em Aleppo.

    Staffan de Mistura, enviado especial da ONU para a Síria, diz que só um acordo para pôr fim à guerra poderia evitar a repetição da carnificina ocorrida em Aleppo.

    Como tal acordo não está nem remotamente à vista, "Idlib em tese pode ser a próxima Aleppo", diz De Mistura.

    Nem a derrota em Aleppo nem um eventual novo massacre desestimularão, no entanto, os militantes do Estado Islâmico e de outras milícias radicais que se juntaram à luta contra Assad, com uma agenda que nada tinha de democrática.

    A resistência que o EI vem revelando no cerco tanto a Mossul (Iraque) como a Raqqa (Síria) é uma demonstração clara de que, por si só, o regime de Assad terá imensas dificuldades para recuperar o controle de todo o território sírio —e, ainda que o faça, para mantê-lo.

    Prova-o a reocupação de Palmira pelo EI, depois de ter sido retomada pelas tropas sírias.

    A Síria, na verdade, se transformará em um protetorado do conglomerado Rússia/Irã/Hizbullah, o grupo radical libanês.

    Sem ele, Assad não teria conseguido derrotar os rebeldes nem conseguirá derrotar os terroristas.

    Até que ponto continuará a aliança tácita entre russos, iranianos e o Hizbullah? Os três têm óbvio interesse em manter Assad no poder, ainda que por motivos diferentes.

    Mas o custo da guerra tende a se tornar insuportável, ainda mais se os terroristas do Estado Islâmico, derrotados no seu califado e imediações, passarem a atacar nos países que os venceram —e a Rússia, desta vez, no lugar dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque, foi o principal agente.

    Sem contar que o EI é sunita e tem, portanto, todo o interesse em evitar a consolidação de um eixo xiita que vá de Teerã a Beirute, passando por Damasco (dominada pelos alauítas, ramo do xiismo).

    Falta ainda incluir na equação a incógnita Donald Trump, que só começará a se tornar clara a partir de janeiro.

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