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    Igreja expõe fotos de assassinatos, e Duterte diz que vai criar sua religião

    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE SÃO PAULO

    31/12/2016 02h00

    Os que chegavam para as missas de Natal estranhavam.

    No pátio da mais famosa igreja de Manila, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, 100 ampliações gigantes mostravam crianças em desespero, poças de sangue, torsos de cadáveres ou policiais de fuzil em punho.

    Em montagens de 60 cm X 90 cm, as imagens retratam vítimas da guerra às drogas pelo presidente filipino, Rodrigo Duterte, desde sua posse, em julho.

    Ladeavam o corredor de entrada por onde passam diariamente 50 mil pessoas na semana natalina (a igreja fica aberta –e é frequentada– 24h/dia, 365 dias por ano).

    À SOMBRA DA MORTE

    A exposição, batizada de Vigília à Sombra da Morte, tem trabalhos de seis fotojornalistas que fazem o turno da noite. Segundo a polícia nacional, 6.214 haviam sido mortos em operações antidrogas ou por grupos de extermínio até esta quinta (29).

    A ideia da exposição apareceu quando frei Jun Santiago, um dos religiosos redentoristas da igreja Baclaran (como é conhecida), passou a acompanhar os fotojornalistas no Distrito Policial de Manila, no começo do mês.

    O frade não entendia por que tanto protesto contra o enterro de Ferdinand Marcos (cuja ditadura deixou cerca de 5.000 mortos de 1965 a 1986) no cemitério dos heróis, mas tanto silêncio sobre as vítimas da guerra à drogas.

    Os repórteres sugeriram, então, uma exposição de "deixasse clara a brutalidade da ação do governo", segundo um dos organizadores, Vincent Go. A igreja pagou a impressão. O evento custou US$ 800 (cerca de R$ 2.500) e ficou aberto até sexta (30).

    Vincent Go/Folhapress
    Filipinas - Michael Acuna, shot by unknown assailants on Oct. 28, 2016. Foto:Vincent Go/Folhapress ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Foto de Vincent Go, um dos participantes da exposição, mostra jovem de 25 anos que foi morto por pistoleiros em Manila

    PENA E RAIVA

    A reação, segundo Go, foi mista: pena, raiva, críticas pela exposição de violência bem no Natal e apoio pela atitude dos redentoristas.

    FilipinasO país
    FilipinasO país

    A Igreja Católica –seguida por 80% dos habitantes do país, 18º maior índice no mundo– tem sido acusada por alguns de omissão.

    Instituição mais antiga do país (presente desde que o navegador Fernão de Magalhães chegou ao arquipélago, em 1521), foi uma das principais forças de oposição à ditadura de Marcos.

    Seus críticos afirmam, porém, que perdeu credibilidade entre os filipinos e tem se acovardado no enfrentamento da guerra às drogas, com medo de mais desgaste.

    Mais de 80% da população aprova a política de Duterte, que, por sua vez, ataca a Igreja Católica em público em várias ocasiões.

    PALAVRA

    "O que podemos fazer é persuadir com nossas palavras", disse à Folha em novembro o bispo de Manila, Broderick Soncuaco Pabillo.

    Nas missas de Baclaran, as palavras acompanharam as imagens. "Não podemos fechar os olhos. A Sagrada Família está na imagens das vítimas dos assassinatos extrajudiciais", ouviu-se numa das missas, relatada pelo site noticioso "Rappler".

    "Alguns nos criticaram por assustar as crianças numa semana que deveria ser de felicidade", disse ao site o reitor de Baclaran, Joseph Ecano.

    "Isso é escapismo. O Natal não é só alegria. Jesus nasceu em meio ao caos, à lama e à dor para ensinar amor ao próximo", rebateu Ecano, que diz ter votado em Duterte.

    Outras oito paróquias de várias regiões do país pretendem abrigar a exposição.

    SEM BRINCADEIRA

    Amado Picardal, 62, padre do seminário de Baclaran que viveu por 16 anos em Davos quando Duterte governou a cidade, acha que a conscientização da população é fundamental, porque o presidente "não está brincando quando diz que quer matar 100 mil pessoas".

    "O que está acontecendo agora no país é uma réplica do que ocorreu na cidade, multiplicado em grande escala e com o agravante da participação explícita da polícia", afirmou à Folha.

    A igreja viu crescer a procura de fieis por ajuda para pagar pelos enterros -que para mortes violentas pode custar quatro vezes um salário mínimo.

    Desde que Duterte foi eleito, mais de 60 famílias pediram auxílio em Baclaran.

    Vincent Go - 31.out.2016/Folhapress
    Padre Amado Picardal, um dos principais opositores do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, em frente à igureja Nossa Senhora do Perpétudo Socorro, em Baclaran, Paranaque, na região metropolitana de Manila (Foto: Vincent Go - 31.out.2016/Folhapress )
    Padre Amado Picardal, um dos principais opositores do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, em frente à igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Baclaran

    ATÉ CINCO ESPOSAS

    Em resposta à exposição de fotos, o presidente atacou mais uma vez a igreja e convidou os filipinos a aderirem à "Igreja de Duterte".

    "Será uma religião sem proibições, em que cada homem poderá ter até cinco mulheres", disse ele, durante festa de Natal para políticos nesta semana.

    O presidente afirmou que estava sendo sarcástico porque a igreja é hipócrita quando condena os assassinatos de suspeitos de envolvimento com shabu (metanfetamina).

    Segundo ele, mesmo muito ricos, os católicos não ajudam os viciados e suas famílias –a igreja, porém, tem auxiliado com dinheiro e programas de reabilitação, como reportou a Folha em Manila.

    Duterte disse ainda na festa que a religião católica é sórdida e cheia de pedófilos e que não quer ser aspergido com água benta quando morrer: "Acho isso muito cafona".

    Reprodução/Rappler
    Em entrevista ao vivo, o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, entrega à diretora do site noticioso Rappler calhamaço de folhas que, segundo ele, contém nomes de 6.000 políticos envolvidos em narcotráfico e corrupção. Duterte mostra também folha com fotos de generais que, segundo ele, estão envolvidos no tráfico de drogas. Foto: Reproducao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Entrevistadora do site noticioso "Rappler" fotografa lista que, segundo o presidente Rodrigo Duterte, tem o nome de 6.000 narcopolíticos

    SEGUNDA FASE

    Nesta quinta, o presidente, que não havia dado nenhuma entrevista exclusiva ao vivo desde sua posse, falou separadamente para quatro emissoras.

    A duas delas, mostrou uma pilha de folhas de papel com cerca de 15 cm de altura, que afirmou conter os nomes de 6.000 políticos e militares envolvidos com o narcotráfico.

    Duterte afirmou que eles serão punidos —mesmo que sejam seus amigos.

    Os chamados "high level targets" são os alvos do que seria a segunda fase da guerra às drogas, após a fase "de rua", que almeja usuários e pequenos traficantes.

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