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    Terrorismo afasta turistas e atinge política e economia da Turquia

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

    04/01/2017 02h00

    Dois jovens se amontoam entre as centenas de pessoas diante da casa noturna Reina, em Istambul, durante as homenagens às 39 vítimas de um atentado no Ano-Novo. Eles vestem dólmãs de cozinheiro e se cobrem com as bandeiras da Turquia.

    Ambos vieram de Bursa, a 150 quilômetros dali, para se manifestar sobre uma catástrofe que já anunciam: o colapso do setor turístico.

    O escoamento de estrangeiros é uma das consequências mais imediatas da série de ataques sofridos pela Turquia no último ano, como a explosão próxima a um estádio em 10 de dezembro, que matou 45, e o ataque ao clube durante a virada do ano.

    O golpe à economia atinge também a política e pode resultar, para analistas, em um governo ainda mais rígido.

    Yasin Akgul-1º.jan.2017/France Presse
    Um policial atua nos arredores da casa noturna Reina, em Istambul, onde 39 foram mortos no Ano Novo

    "Queremos mostrar que esse não foi apenas um ataque contra um clube, mas contra todo o país", diz à Folha Muhammed Saskin, 18, estudante de hotelaria e cozinheiro. Os atentados fazem com que a Turquia não pareça segura, prejudicando o setor, diz ele.

    Dados do Ministério do Turismo indicam que o número de estrangeiros visitando a Turquia caiu 30,8% durante os 11 primeiros meses de 2016 em comparação com o mesmo período de 2015.

    O número de turistas russos caiu 77,3%. Turquia e Rússia tiveram atritos diplomáticos em 2015, mas recentemente restauraram laços.

    A crise é visível. Pontos turísticos estavam vazios na terça-feira (3). Istambul é popular entre os turistas por cenários como a Basílica de Santa Sofia e o Palácio Topkapi.

    Nacionalidades de turistas estrangeiros na Turquia entre 2014 e 2016 - Jan. a nov., em milhões

    As estatísticas preocupam o setor e motivaram a manifestação em solidariedade às vítimas. Saskin diz que soube da homenagem via colegas e viajou a Istambul vestindo a roupa de trabalho.

    CONSPIRAÇÃO

    O ano foi, para o colunista turco Mustafa Akyol, desastroso. "Foi um ano ruim, ruim, ruim", diz, citando os ataques terroristas, a tentativa de golpe militar em julho e o colapso da economia.

    Mas, ao contrário de momentos anteriores da história turca, quando as agruras econômicas fortaleceram alternativas políticas, a crise atual deve consolidar o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, afirma.

    "O Estado tem propagado a ideia de que a crise econômica é uma conspiração contra a Turquia. Muitas pessoas acreditam nessa narrativa, o que pode incrementar o apoio dentro de sua base."

    O momento político também favorece Erdogan, após o golpe frustrado. "Ele nunca esteve tão popular", afirma Akyol.

    "O golpe deu a impressão de que há forças sinistras tentando derrubar o presidente e de que é preciso se unir contra essas forças."

    Os repetidos atentados têm um efeito semelhante. A Folha encontrou o juiz aposentado Izzet Dogan assinando um livro de condolências diante do clube noturno Reina. Ele escreveu:

    "Os autores do ataque são inimigos da esperança. A violência e o sangue nunca são o suficiente para eles."

    Apesar de reconhecer que houve falhas no aparato de segurança, debilitado pela demissão de milhares de servidores públicos, Dogan diz também que falta solidariedade do público a Erdogan. "Se nos uníssemos, seria mais fácil para o governo lidar com essa crise", afirma.

    RESPONSABILIDADE

    Por outro lado, diz o parlamentar Baris Yarkadas, o público está se cansando da crescente instabilidade. A participação da Turquia no conflito sírio e sua campanha contra militantes curdos são vistos como catalisadores da crise na segurança.

    Yarkadas, da sigla de oposição CHP (Partido Republicano do Povo, centro-esquerda), é membro do comitê de segurança no Parlamento.

    "O governo espera mais e mais ataques, e a população está ciente de que o país está em conflito", diz. "Mas o Estado não tem uma política para garantir a segurança."

    Nesse sentido, Kamal Kiliçdaroglu, líder do CHP, acusou o governo de ser responsável pelo aumento dos ataques e pediu que renuncie devido às 39 mortes na Reina.

    Kiliçdaroglu afirmou que ninguém no governo assume a responsabilidade ou atua para prevenir novas ações.

    "As pessoas estão em choque, tentando entender o que houve", diz Yarkadas. "Já o governo tenta manipular o público pela mídia estatal dizendo não ter culpa."

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