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    Governo turco dá força a retórica anti-Ocidente

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

    04/01/2017 02h00

    O atentado contra a festa de Ano-Novo em Istambul coincidiu com a crescente campanha conservadora contra os feriados considerados ocidentais.

    Havia nas últimas semanas cartazes ao redor do país pedindo que muçulmanos não participassem das comemorações associadas a um estilo de vida "impróprio". Em um dos protestos, um grupo de jovens inflou um boneco de Papai Noel e o vandalizou.

    Não foi à toa que, ao reivindicar o ataque, o Estado Islâmico se referiu ao Ano Novo como um "feriado pagão" —classificação com que mesmo alguns inimigos da organização na Turquia concordariam.

    A relação, para o economista turco-americano Timur Kuran, poderia ser coincidência. "Por outro lado, houve uma campanha sem precedentes contra essas datas, vistas como ilegítimas", afirma em entrevista à Folha.

    "Os autores sabiam que atacar uma casa noturna ressoaria mais do que alvejar um protesto ou estádio."

    Kuran é autor de "The Long Divergence" (a longa divergência), estudo sobre a relação do islã com o relativo atraso econômico no Oriente Médio.

    Segmentos turcos conservadores saudaram o ataque na internet. É como se dissessem, segundo Kuran, que o episódio é triste —mas as pessoas não deveriam frequentar casas noturnas, e elas, afinal, não deveriam existir.

    O preocupante na campanha contra o Natal e o Ano-Novo é, prossegue o professor, que a mensagem circulou na mídia apoiada pelo governo turco. Há hoje um rígido controle da imprensa local.

    "É parte da campanha de longo prazo de islamização, regulando os modos de vida para eventualmente encerrá-los", diz. Um processo semelhante aconteceu no Paquistão nos anos 1960 e 1970. "Haverá fuga de turistas, mas, para membros do partido, o ganho cultural compensará."

    SILÊNCIO

    A investida do governo turco fortalece os círculos favoráveis a uma sociedade mais conservadora, incentivando que divulguem sua opinião. Já seculares são silenciados, diz o professor. "Isso faz com que haja opiniões comuns no discurso público e que outras sejam raras."

    Diversos turcos ouvidos pela reportagem reforçaram essa tese. Sinan (que não disse o sobrenome) lembrou, por exemplo, que o governo não reprimiu o discurso de ódio contra o Natal e o Ano-Novo, mas deteve 40 mil pessoas nas investigações sobre a tentativa de golpe em julho.

    "Era óbvio que um ataque aconteceria. Os líderes religiosos pediram para as pessoas não celebrarem a virada. Os radicais são livres para falar isso, mas nós não podemos falar sobre o secularismo", afirma o fazendeiro, apontando para o próprio pescoço. Ele veste um cachecol com um desenho de Mustafa Kemal Atatürk, dito pai do Estado moderno e secular turco.

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