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    Após governo prender líderes, partido de esquerda é desmontado na Turquia

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

    05/01/2017 02h00

    Murad Mihci recebe a reportagem da Folha em um edifício dilapidado próximo à praça Taksim, em Istambul. Ele se senta em um dos escritórios vazios do HDP (Partido Democrático dos Povos), do qual é membro.

    "Essa mesa era de Dogan Erbas", aponta a um canto. "Aquela era de Aysel Guzel". Depois, suspira. Erbas e Guzel, dois líderes provinciais do partido HDP, foram detidos em 12 de dezembro.

    Yasin Akgul - 20.nov.2016/AFP
    Aliados do HDP carregam cartazes com a mensagem "Não vamos desistir" em protesto em Istambul
    Aliados do HDP carregam cartazes com a mensagem "Não vamos desistir" em protesto em Istambul

    Não foram apenas os dois. Outras centenas de membros e militantes da sigla de esquerda foram detidos durante os últimos meses, incluindo os seus principais responsáveis, Selahattin Demirtas e Figen Yüksekdag.

    As detenções, inseridas em um contexto político mais amplo, tensionaram o partido, agora ameaçado de desmonte, ao seu limite.

    EROSÃO

    O governo turco prendeu mais de 40 mil pessoas desde a tentativa frustrada de golpe militar em 15 de julho do ano passado. Segundo o HDP, quase 800 delas fazem parte do partido.

    "Esses são indicadores de que o governo quer encerrar os meios democráticos na política", diz Mihci, um líder no comitê executivo do HDP.

    O partido foi criado em 2012 com a proposta de representar as minorias escanteadas pelo governo, como os curdos e os armênios.

    Em um movimento análogo ao espanhol Podemos e ao grego Syriza, a sigla empolgou jovens e a classe média, tornando-se a terceira força política da Turquia.

    Mas, segundo Mihci, as detenções e a campanha da mídia estatal contra o partido têm erodido seu trabalho.

    "Estamos atuando da maneira que é possível, com o poder que sobrou nas nossas mãos, mesmo que nossos membros estejam detidos", diz. Militantes têm visitado lares em Istambul em campanha contra o referendo constitucional, por exemplo.

    Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, deve levar a voto nos próximos meses a proposta de transformar a Turquia em um sistema presidencial, em vez de parlamentarista. A medida deve concentrar ainda mais os poderes em suas mãos.

    "Quando temos a oportunidade, dizemos que a mudança será ruim", diz Mihci.

    AGRAVO

    O HDP conquistou 80 cadeiras no Parlamento nas eleições legislativas de junho de 2015. O número foi reduzido no pleito antecipado de novembro no mesmo ano, indo a 59 assentos (10,6% do total de votos).

    Mihci credita o declínio, que deve se agravar, à interferência do governo turco.

    "Tínhamos mais oportunidades para nos expor. Sabemos que, se pudermos enviar nossa mensagem, teremos bons resultados", afirma.

    Mas a imagem do HDP também foi desgastada por sua aliança com movimentos curdos, que pedem mais autonomia. A sigla é com frequência acusada de representar apenas os interesses da minoria.

    O governo também acusa o HDP de ter laços com o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), considerado uma organização terrorista.

    Militantes curdos ligados a outro grupo reivindicaram as explosões em um estádio de Istambul que deixaram 45 mortos em 10 de dezembro.

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