• Mundo

    Thursday, 02-May-2024 23:35:06 -03

    Brasileiros deportados passam fim de ano na cadeia e relatam más condições

    FABIANO MAISONNAVE
    ENVIADO ESPECIAL A NASSAU (BAHAMAS)

    08/01/2017 02h00

    Na tarde da última quinta-feira (5), cinco brasileiros são escoltados por um agente da imigração das Bahamas até a porta do avião que os levaria ao Panamá.

    Era o fim da tentativa de chegar aos Estados Unidos, mas o grupo está eufórico: após seis dias, deixavam pra trás o infernal centro de detenção para imigrantes.

    Divulgação/Icadh
    Entrada do centro de detenção Carmichael Road, em Nassau, onde brasileiros ficaram presos
    Entrada do centro de detenção Carmichael Road, em Nassau, onde brasileiros ficaram presos

    "Nunca me senti tão humilhado", diz um do grupo, que concordou em falar com a reportagem desde que não fossem identificados. "Já puxei (cumpri pena) no Brasil, mas não era tão ruim."

    A desventura dos três mineiros e dois rondonienses, todos homens, começou em 21 de dezembro, quando desembarcaram em Nassau e foram recebidos por um coiote brasileiro, identificado pelo apelido, Guga.

    No dia de Natal, já sem o coiote, eles viajaram de avião à pequena ilha de Bimini, o ponto das Bahamas mais próximo de Miami —a apenas 92 km de distância.

    Ali, em meio a praias paradisíacas, ficaram em um hotel indicado por Guga à espera do sinal para viagem.

    O prometido era embarcar em dois dias, mas nada aconteceu. No meio da espera, parentes avisaram, assustados, sobre a notícia dos 12 brasileiros desaparecidos após tentarem a mesma travessia, mas nenhum deles pensou em desistir.

    "A gente nunca acha que vai acontecer conosco o que aparece na TV", justificou um deles.

    Após seis dias sozinhos, eles foram localizados no hotel e presos por autoridades bahamenses. A passagem do Ano-Novo foi no piso duro da pequena cadeia da ilha.

    "O ar condicionado estava muito forte e passamos frio, mas estávamos sozinhos. Era um palácio comparado com o que vinha", disse um dos mineiros.

    No dia seguinte, os cinco embarcaram num avião comercial de volta a Nassau —as passagens foram pagas por um deles.

    Na capital, foram algemados e levados ao centro de detenção Carmichael Road, alvo de diversas denúncias internacionais de maus-tratos, incluindo um relatório recente da Organização dos Estados Americanos (OEA).

    Afoitos, os cinco deportados falavam com a reportagem ao mesmo tempo para contar os horrores do local. Logo na chegada, relatam, um dos guardas roubou US$ 360 do bolso de um dos brasileiros. As malas e os celulares foram retidos —todos entraram apenas com uma sacola de roupas.

    CONTROLE CUBANO

    Segundo eles, o centro é controlado por detentos cubanos, que determinam desde o local onde dormem até o fornecimento de maconha e cocaína, consumidos abertamente.

    Em troca de uma transferência de US$ 300 feita do Brasil a uma mulher indicada pelos cubanos, os brasileiros tiveram alguns benefícios em relação aos outros detentos, que incluem principalmente haitianos.

    Para descansar, conseguiram uma cama de solteiro —a cada noite, dois dormiam no colchão e três no chão. Um privilégio em comparação a cubanos recém-chegados, abrigados em barracos improvisados com sacos plásticos no pátio.

    Em troca de US$ 50, era possível até arranjar um programa com uma cubana —as mulheres estão separadas por uma tela de arame. "Eles oferecem: 'Nós fazemos acasalamento'", relatou um deles.

    A principal reclamação era a comida, servida três vezes ao dia em pequenas quantidades e considerada de péssima qualidade. Mesmo com fome, muitas vezes pulavam a refeição.

    O local, de acordo com os brasileiros, é infestado de ratos, que circulam pela água de esgoto. O banheiro, imundo, não tem papel higiênico —era preciso economizar o pequeno guardanapo servido junto com as refeições.

    Os brasileiros acusaram o centro de não permitir o uso do telefone para acionar o consulado. O contato só foi feito no terceiro dia, por meio do celular de um cubano.

    A representação brasileira só foi contatada porque os brasileiros escreveram, por meio do WhatsApp, para um mineiro que havia anotado o seu nome e número numa parede do centro.

    Procurado pela reportagem, a Chancelaria bahamense, responsável pela administração do centro de detenção Carmichael Road, não respondeu às perguntas enviadas por e-mail.

    Na quinta-feira (5), o grupo conseguiu, enfim, embarcar de volta ao Brasil, depois que os parentes compraram e enviaram passagens aéreas.

    Cada um afirma ter sofrido um prejuízo de cerca de US$ 1.300 gastos na viagem.

    O preço da travessia era de US$ 20 mil, que só seriam pagos em caso de sucesso.

    Dos cinco brasileiros, três já haviam morado nos Estados Unidos.

    Apenas um deles disse que ia continuar tentando: "O sonho não acabou, só foi interrompido."

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024