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    Tensão imigratória em Portugal cresce com legalização mais difícil

    GIULIANA MIRANDA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LISBOA

    09/01/2017 02h00

    Em um dos maiores atos pelos direitos dos imigrantes em Portugal, cerca de 2.000 pessoas de diferentes nacionalidades protestaram no Martim Moniz —bairro de Lisboa conhecido pela multiculturalidade— contra as recentes mudanças que dificultaram a legalização e o acesso aos serviços públicos de estrangeiros em situação irregular.

    A aglomeração multiétnica, no entanto, foi abordada por uma contra-manifestação de extrema-direita marcada para a mesma hora e local, convocada para demonstrar contrariedade à presença de imigrantes. Os ânimos se exaltaram e a polícia precisou intervir.

    Hugo Correia - 12.set.2015/Reuters
    Manifestantes protestam em Lisboa a favor da vinda de refugiados sírios para Portugal em 2015
    Manifestantes protestam em Lisboa a favor da vinda de refugiados sírios para Portugal em 2015

    O episódio, ocorrido há pouco mais de um mês, demonstra a intensificação dos conflitos migratórios no país.

    "Existe uma ideia de um Portugal acolhedor que nem sempre se traduz na realidade", avalia Timóteo Macedo, presidente da Solidariedade Imigrante, maior associação de apoio a estrangeiros do país e uma das maiores da Europa, para quem a situação desse grupo tem se deteriorado no país.

    Manifestações abertamente xenofóbicas são raridade em Portugal, mas alguns casos despertaram atenção.

    Segundo um estudo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa divulgado no início de dezembro, Portugal está entre os países europeus que mais se opõem a receber imigrantes, logo depois da Hungria e da República Tcheca.

    Em contraposição, a disposição dos portugueses para acolher refugiados, como os oriundos da guerra na Síria, foi uma das mais altas entre as nações avaliadas.

    "A pesquisa mostra como a posição da sociedade quanto aos imigrantes em geral contrasta com a solidariedade com os refugiados. Enquanto quem foge da guerra é recebido com acolhimento, quem foge da miséria é recebido com ressalvas", diz o deputado José Manuel Pureza, do BE (Bloco de Esquerda).

    A coalizão defende alterações na lei para evitar que os estrangeiros sem documentos sejam explorados ou fiquem sem acesso a serviços básicos. Para além de questões de popularidade, os imigrantes irregulares têm sido alvo de uma série de medidas que, sem alarde, fecharam o cerco contra sua permanência em Portugal.

    Em março, uma resolução do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) alterou o entendimento da lei de imigração e fechou a "janela" de legalização para os imigrantes irregulares que tinham contrato de trabalho no país. Paralelamente, o acesso a serviços públicos de saúde e educação e ao NIF (equivalente ao CPF brasileiro) foi sendo dificultado.

    "Houve um retrocesso nos direitos adquiridos dos imigrantes desde 2007 até agora. Desta vez houve um fechamento claro da lei da imigração, sem perspectiva de melhora", avalia o presidente da Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo.

    O governo de Portugal, comandado há um ano pelo socialista Anónio Costa, afirma que não houve mudanças para prejudicar os imigrantes, mas sim uma "adequação" para se enquadrar na lei que já existia.

    Imigrantes em Portugal - Total de estrangeiros (em mil)

    SITUAÇÃO

    O pico de imigração em Portugal foi em 2004, quando mais de 447 mil estrangeiros viviam no país. Em 2015, eram cerca de 388 mil estrangeiros residentes legalizados, com uma ligeira queda em relação ao ano anterior. Já os indocumentados, que não entram nas estatísticas oficiais, têm vindo a subir, segundo as principais entidades de assistência.

    Embora os brasileiros continuem sendo a maior comunidade estrangeira do país (22%), de acordo com os dados de 2015, os últimos disponíveis, tem havido um aumento acelerado na entrada de pessoas provenientes da Ásia. A quantidade de títulos de residência emitidos para cidadãos do Nepal, por exemplo, aumentou 44,6% em 2015, em relação ao ano anterior.

    Nos últimos anos, os asiáticos protagonizaram episódios de fraude nas autorizações de residência que ganharam notoriedade.

    Foram descobertas quadrilhas internacionais especializadas em criar contratos fictícios de trabalho —sobretudo em pequenas mercearias— para conseguir legalizar estrangeiros, a maioria provenientes da Índia e de Bangladesh. Chineses endinheirados, por sua vez, foram pegos subornando figurões do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

    Imigrantes em Portugal - Principais comunidades no país (em %)

    DESAMPARO

    Imersos na burocracia e muitas vezes sem dominar o idioma, os imigrantes buscam nas associações auxílio legal e amparo social.

    O tunisiano Mehdi Ben Boubaker, 36, é um deles. Embora tenha chegado a Portugal com visto de trabalho em uma multinacional francesa e com documentação em ordem, ele, que não fala bem português, disse ter tido dificuldades para superar a burocracia e apresentar os requisitos necessários para a renovação do visto.

    Superada essa barreira, ele ainda precisou esperar mais de seis meses até conseguir marcar uma entrevista com os oficiais da imigração.

    "Portugal é um país muito bom, minha única questão é com as regras e as mudanças burocráticas que foram acontecendo. Eu poderia ter escolhido outro lugar, a França, por exemplo. Mas eu sabia que lá em sempre seria olhado como um estranho, um estrangeiro. Aqui eu não sinto isso, sei que minhas filhas serão bem acolhidas", diz Boubaker.

    Enquanto o tunisiano é só elogios aos serviços públicos portugueses, na mesa ao lado na sede da associação Solidariedade —que funciona das 10h às 21h de segunda a sexta para dar conta da demanda—, um casal paquistanês, acompanhado dos filhos de 4 e 2 anos, relata em inglês que não consegue matricular as crianças na escola, enquanto uma jovem cabo-verdiana pergunta o que fazer diante do calote do patrão, que sabe de seu status irregular em Portugal.

    "As situações variam muito. Enquanto alguns são bem atendidos nos hospitais e centros de saúde, outros não conseguem ter acesso. A mesma coisa nas escolas: algumas exigem documentos, outras não", diz o presidente da associação, Timóteo Macedo, destacando a necessidade de criar uma série de mecanismos legais que amparem os imigrantes.

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