• Mundo

    Saturday, 04-May-2024 02:01:28 -03

    Historiador vê 'ecos' dos anos 1930 em ascensão do populismo na Europa

    GUILHERME MAGALHÃES
    DE SÃO PAULO

    14/01/2017 02h00

    "É muito tentador pensar no século 20 da Europa como um século de dois tempos completamente diferentes, talvez com uma prorrogação a partir de 1990."

    É com essa metáfora futebolística que o historiador britânico Ian Kershaw, 73, —torcedor do Manchester United— inicia a empreitada de contar a história do continente europeu no conturbado século passado.

    O primeiro de dois volumes, "De Volta do Inferno: Europa, 1914-1949", acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras e cobre os acontecimentos que vão do início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) até o estabelecimento da Europa dividida entre capitalismo e comunismo.

    O segundo, que analisará a metade do século marcada pela Guerra Fria, tem publicação prevista para 2018.

    Ulf Andersen - 9.set.2008/Getty Images
    O historiador britânico Ian Kershaw, 73, especialista em Alemanha nazista
    O historiador britânico Ian Kershaw, 73, especialista em Alemanha nazista

    Renomado pesquisador da Alemanha nazista e autor de diversas obras sobre esse período da história alemã, entre elas uma biografia de Adolf Hitler (1889-1945), Kershaw queria "expandir o panorama para toda a Europa e por todo o século 20, já que a catastrófica primeira metade do século é essencial para entender como a segunda se desenvolveu", afirmou à Folha.

    Em meio à Grande Depressão, nos anos 1930, a política europeia se inclinou claramente para a direita.

    O discurso centrista perdeu força entre as massas empobrecidas, notadamente na Alemanha. Imperava o medo do comunismo e o anseio pela ordem, o que foi prontamente oferecido pelos políticos nazifascistas.

    É possível traçar um paralelo com a atual crise do discurso moderado no continente europeu, onde cada vez mais ganham força políticos da direita populista?

    "Existem certos ecos, e as ansiedades atuais são muito compreensíveis", responde Kershaw. "Mas precisamos manter em mente as diferenças em relação aos anos 1930", diz o historiador.

    Ele lembra que a Europa é hoje "um continente de democracias", enquanto que naquela década "a democracia era um sistema de governo profundamente contestado" —apenas 11 países do norte e oeste europeu tinham, na época, governos considerados democráticos.

    Além disso, os militares desempenham atualmente um papel pequeno na política europeia, ao contrário do período entreguerras.

    "E, não menos importante, a Europa tem em seu centro uma Alemanha pacifista e internacionalista, em absoluto contraste com a Alemanha dos anos 1930."

    Sob a sombra da saída do Reino Unido, o chamado "brexit", a União Europeia estaria ameaçada em seu cerne? Ian Kershaw acredita que não. Mas, se a UE se desintegrar, "a paz e a estabilidade da Europa certamente estariam mais ameaçadas do que nunca estiveram nas últimas décadas".

    Stefan Wermuth - 16.jun.2016/Reuters
    Nigel Farage, líder do partido populista britânico Ukip, indica anúncio anti-imigração e a favor do 'brexit
    Nigel Farage, líder do partido populista britânico Ukip, indica anúncio anti-imigração e a favor do 'brexit'

    ABISMO

    O título do livro de Kershaw é uma referência ao período de quase autodestruição que a Europa protagonizou durante as duas guerras mundiais. Para ele, o continente "mergulhou no abismo". Não é para menos.

    Se a Primeira Guerra e seus 10 milhões de mortos já haviam assombrado o planeta, os 40 milhões que perderam a vida na Segunda (1939-1945) somados ao horror do Holocausto elevaram o patamar de autodestruição a um nível nunca antes visto.

    "As consequências morais de um colapso tão profundo da civilização se estenderiam pelo restante do século e além dele", escreve Kershaw.

    O historiador elenca quatro fatores cruciais que motivaram a "catástrofe imensurável" que foi a Segunda Guerra: uma explosão de nacionalismo etnorracista; exigências irreconciliáveis de revisionismo territorial pós-Primeira Guerra; um agudo conflito de classes, intensificado depois da Revolução Russa (1917); e a crise do capitalismo ocasionada pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.

    Para ele, a paz na Europa passava pela Alemanha. Segundo Kershaw, "a sobrevivência da democracia alemã era a melhor garantia de paz e estabilidade futuras para a Europa. O que aconteceria se a democracia entrasse em colapso no país que era mais crucial para a Europa?", questiona.

    De Volta Do Inferno - Europa, 1914-1949
    Ian Kershaw
    l
    Comprar

    Com a ascensão de Hitler ao cargo de chanceler, em janeiro de 1933, a democracia estava com os dias contados na Alemanha.

    *

    DE VOLTA DO INFERNO: EUROPA, 1914-1949
    AUTOR Ian Kershaw
    TRADUÇÃO Donaldson M. Garschagen e Renata Guerra
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 79,90 (568 págs.)

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024