• Mundo

    Sunday, 05-May-2024 16:42:29 -03
    BBC

    Como Trump, presidentes latinos ricos enfrentaram conflito de interesses

    DA BBC BRASIL

    16/01/2017 10h56

    AFP/BBC Brasil
    Presidentes do Panamá, Juan Carlos Varela, do Paraguai, Horacio Cartes e da Argentina, Mauricio Macri e os ex-presidentes do Chile, Sebastián Piñera, do México, Vicente Fox e do Panamá, Ricardo Martinelli
    Presidentes de Panamá, Paraguai e Argentina; e os ex-presidentes de Chile, México e Panamá

    A poucos dias da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, o país discute um problema conhecido há tempos na América Latina, para o bem e para o mal: como evitar o conflito de interesses quando um magnata chega à presidência.

    O assunto ganhou força na semana passada, quando Trump apresentou um plano para que suas funções como governante não colidam com os interesses de seu vasto império empresarial.

    O republicano tem dentro dos EUA e ao redor do mundo centenas de investimentos em imóveis, marcas e empresas de diferentes setores, o que poderia influenciar suas decisões à frente da maior potência do planeta.

    Nesse sentido, na quarta-feira passada, Trump anunciou que passaria o controle de seus negócios a um trust controlado pelos seus filhos mais velhos, mas evitaria vender os bens ou se desfazer das ações na organização que leva seu nome.

    A iniciativa foi criticada por especialistas em ética. Eles alertam que, na história moderna dos EUA, nunca chegou à Presidência do país um magnata com a quantidade de negócios igual à de Trump.

    A falta de transparência sobre sua fortuna é outro problema, acrescentam.

    "Algumas das coisas que nos preocupam são coisas que vimos ocorrer em outros países. E eles aprenderam", diz à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Larry Noble, conselheiro-geral do Campaign Legal Center, uma ONG sediada em Washington.

    Sendo assim, como os multimilionários que recentemente se tornaram presidentes da América Latina reagiram ao conflito de interesses?

    E o que os diferencia de Trump?

    MULTIMILIONÁRIOS LATINO-AMERICANOS

    Empresários multimilionários que entram para a vida política estão longe de ser uma novidade na América Latina.

    O presidente argentino Mauricio Macri, o paraguaio Horacio Cartes e o panamenho Juan Carlos Varela são três empresários ricos que atualmente exercem a presidência de seus respectivos países.

    E se acrescentarmos à lista os que terminaram seus mandatos recentemente, temos o chileno Sebastián Piñera, o mexicano Vicente Fox e o também panamenho Ricardo Martinelli.

    No espectro político, todos eles são identificados com a centro-direita, fizeram de seu sucesso empresarial sua plataforma eleitoral e também se beneficiaram do descontentamento de muitos com a política tradicional, exatamente como Trump nos EUA.

    "Mas as opiniões sobre eles não são unânimes: enquanto uns os admiram pelo patrimônio que acumularam, outros desconfiam deles", disse à BBC Mundo o historiador chileno Joaquín Fermandois, em entrevista recente.

    'NEM PERTO'

    Quando anunciou sua candidatura presidencial, Macri declarou bens no valor de US$ 5,5 milhões (R$ 17,7 milhões), que incluíam participações em várias sociedades, depósitos bancários nos EUA e na Suíça, duas propriedades e um terreno rural de 33 hectares no Uruguai.

    Antes de dedicar-se à política e presidir o clube de futebol Boca Juniors, o mandatário ocupou postos executivos em companhias do poderoso conglomerado automobilístico e de construção criado por seu pai, Franco Macri.

    E meses depois de chegar à presidência argentina, em dezembro de 2015, Macri transferiu a administração de suas ações em diversas empresas bem como de seus imóveis a um "blind trust" (em português, "confiança cega"? a medida implica em nomear um gestor independente para gerir, sem qualquer interferência do dono, todos seus bens e negócios).

    Por esse sistema, ele só poderá retomar o controle de seus negócios seis meses depois de terminar seu mandato.

    Piñera, do Chile, fez algo semelhante com uma parte de seus investimentos antes de chegar à presidência em 2010.

    Naquela ocasião, de acordo com a revista americana Forbes, ele tinha uma fortuna estimada em US$ 2,2 bilhões (R$ 7 bilhões), fruto de diversos negócios e companhias em seu nome.

    Mas Trump não fez isso. Ao nomear os filhos como gestores de seus negócios, seu "blind trust" não é tão restritivo e, portanto, pode gerar conflito de interesses.

    "Isso não é um blind trust - nem sequer está perto disso", disse Walter Shaub, diretor do Escritório de Ética do Governo dos EUA, sobre o plano de Trump.

    "A única coisa que tem em comum com um blind trust é a palavra trust", ironizou.

    MELHOR OPÇÃO

    Apesar das precauções que tomaram, Macri e Piñera também se viram cercados de polêmicas relacionadas às suas fortunas.

    No caso de Macri, a divulgação dos "Panama Papers" o associou no ano passado a empresas nas Bahamas que não haviam sido incluídas em sua declaração de bens antes de assumir a Presidência, pelas quais seu pai se declarou responsável perante a Justiça argentina.

    Além disso, a imprensa argentina diz que no blind trust de Macri foi incluída menos da metade de sua fortuna verdadeira.

    No Chile, surgiram dúvidas na semana passada sobre o quão "cego" teria sido o blind trust de Piñera. Isso porque, segundo autoridades, ele poderia, em teoria, acessar informações sobre suas operações.

    A advogada da Organização Trump, Sheri Dillon, acrescentou que blind trusts têm pontos fracos.

    "O presidente Trump não pode ignorar que é dono da Trump Tower", disse ela em entrevista a jornalistas.

    Na opinião de vários especialistas, a melhor opção para o presidente eleito seria liquidar todos seus ativos e então depositar o dinheiro em um blind trust, alheio a seu controle.

    RIQUEZA E INFORMAÇÃO

    Ironicamente, o fato de que na América Latina costuma faltar transparência sobre os bens dos presidentes não impede que haja conflito de interesses.

    Ao assumir a presidência do Panamá em 2014, Varela divulgou sua declaração de bens, o que havia prometido durante a campanha eleitoral.

    Nela, ele dizia que detinha US$ 25 milhões (R$ 80,5 milhões) em ações de diversas empresas, além de contas bancárias e imóveis.

    Varela apresentou o documento como algo atípico para um presidente do país, desafiando seu antecessor, Ricardo Martinelli, que também é sócio e diretor de várias companhias, a fazer o mesmo.

    Mais uma vez, Trump se distingue de seus antecessores: ele se negou a revelar sua declaração de imposto de renda, que daria uma ideia do lucro de suas empresas.

    O magnata limitou-se a preencher um formulário do governo federal indicando que sua fortuna era de pelo menos US$ 1,5 bilhão (R$ 4,8 bilhões).

    Mas Noble acredita que a informação encontrada ali seja restrita.

    "A solução encontrada por ele foi, então, pôr os negócios sob o controle de seus filhos", diz o especialista.

    "Indicamos que em outros países isso havia sido um problema, que às vezes a forma pela qual um líder de um país enriquece é enriquecendo sua família", acrescenta.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024