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    Governo Trump

    Trump pode aproximar México e América Latina, diz historiador

    SYLVIA COLOMBO
    DE BUENOS AIRES

    20/01/2017 16h11

    Para o historiador mexicano Enrique Krauze, 69, o início da gestão Donald Trump pode comparar-se a outros momentos de grave tensão na relação entre seu país e os EUA.

    E menciona, especialmente, a invasão norte-americana, em 1846, que deu início a uma guerra entre ambos países na qual o México perdeu mais da metade de seu território, e a participação dos EUA no golpe contra o presidente Francisco Madero, em 1913, que culminou com seu assassinato e o início de uma guerra civil interna.

    "Este novo momento não apresenta uma ameaça militar, mas por outro lado temos a possibilidade de uma guerra comercial e de conflitos étnicos e raciais cuja proporção pode ser preocupante", disse, em entrevista à Folha, por telefone.

    De orientação liberal, Krauze foi o sucessor de Octavio Paz (1914-1998) como editor da revista "Letras Libres" e é membro do Colegio Nacional do México. Colabora com o "New York Times" e outras publicações, e é autor de "Siglo de Caudillos" e "La Presidencia Imperial", entre outros.

    Folha - O sr. crê que é possível comparar este início da gestão Trump com momentos de tensão históricos da relação entre México e EUA?
    Enrique Krauze - Sim, pode-se comparar no sentido de ser um momento tão delicado e tão carregado de possibilidades explosivas quanto os anteriores. A guerra de 1846, que foi um imenso trauma nacional, já pertencia, para o imaginário mexicano, a uma espécie de nossa pré-história.

    Infelizmente, a campanha de insultos e de aberrações contra o México ditos por Trump enquanto candidato fizeram com que essa ferida fosse reaberta, aprofundando um sentimento de indignação nos mexicanos com relação a essa nova gestão e ao modo como o nosso governo vem respondendo à situação.

    A chegada de Trump e sua intenção de meter-se em questões do México também faz lembrar a participação dos EUA no golpe contra o presidente Francisco Madero, em 1913, muito similar ao modo como apoiou o chileno, contra Salvador Allende, em 1973.

    A eleição de Trump surge com uma carga de tensão parecida a daqueles tempos. Ainda que as ameaças agora não sejam pelo lado militar, me parecem graves na área econômica e na do impacto social que pode ter uma campanha contra os imigrantes.

    Em sua opinião, quais são os temas mais urgentes da agenda entre os dois países que virão à tona nesses primeiros meses, e que podem prejudicar o México?

    Acho que são três, o futuro do Nafta –acordo de livre-comércio entre EUA, México e Canadá, que Trump considera "um desastre"–, a questão das deportações e a do muro que quer construir na fronteira entre os dois países.

    O governo mexicano tem adotado uma posição de se mostrar aberto a renegociar termos do Nafta, provavelmente para evitar o mal maior, que seria a saída completa dos EUA do tratado. O sr. considera essa estratégia correta?

    Sim, o governo de Peña Nieto tentará negociar e é sua única alternativa nesse caso, porque a derrubada do acordo ou os EUA simplesmente saírem dele e passarem a cobrar impostos a produtos mexicanos seria muito destrutivo para a economia mexicana.

    Creio que Trump aceitará renegociar o tratado, porque rompe-lo o levaria a ter de enfrentar a OMC (Organização Mundial de Comércio). A não ser que a intenção seja a de que os EUA deixem a OMC também, algo que terá outras consequências para a economia norte-americana.

    Para o México o fim do Nafta teria consequências terríveis na economia.

    O sr. diria que a população mexicana também compartilha a ideia de que a questão econômica é a mais importante, ou seria a questão das deportações e a dos insultos?

    Eu creio que os mexicanos estão certos ao afirmar que é necessário um pedido de desculpas para que se inicie uma nova relação entre os dois países. Eu mesmo considero urgente que o presidente Trump se retrate dos insultos e das aberrações que foram ditas sobre os mexicanos durante a campanha antes de entrar numa fase mais madura de negociações sobre os acordos comerciais.

    Mas o sr. acha possível que se retrate? E por que considera tão essencial?

    Trump não é movido por sentimentos, suas reações não são emocionais. São as reações de um homem de negócios, pragmático. Creio que se o governo mexicano fizer seu papel, de exigir essas desculpas, sim, é possível que ele peça.

    E creio que é muito essencial porque, se isso não ocorrer, eu realmente temo uma explosão de violência étnica nos EUA. A população de origem mexicana lá é muito grande (mais de 35 milhões de pessoas).

    Se esses ataques, que já estão ocorrendo, contra "não-brancos", na formulação dos eleitores de Trump, continuarem, a tensão pode escalar para uma guerra baseada em racismo, que me preocupa muito. E obviamente essa guerra seria potencializada se acompanhada por uma política de deportações em massa, como foi prometido.

    Com que o governo mexicano conta para fazer com que Trump amenize suas posições e negocie?

    Além da intensa relação de comércio bilateral, que beneficia vários Estados norte-americanos, o México vem ajudando os EUA no controle de imigrantes da América Central que vêm pela fronteira sul e na guerra contra as drogas.

    Se Trump decide entrar numa guerra comercial contra o México, eu sou partidário de que o governo mexicano abandone esse esforço de ajudar os EUA, e que permita, por exemplo, que as drogas sigam entrando em território norte-americano, fazendo com que eles lidem diretamente com o problema.

    Eu, particularmente, inclusive, sou partidário de uma política de legalização ampla das drogas, porque diminuiria a violência no México e a tensão entre os dois países, entre outras coisas.

    E com relação ao resto da América Latina, o sr. acha que a eleição de Trump terá um impacto tão forte como o que terá no México?

    Não, creio que o México é quem sentirá primeiro e de modo mais intenso o efeito das políticas de Trump. Não estou seguro e nem ele disse ao certo o que pretende fazer com a questão da Venezuela. Não acho difícil que simpatize com o presidente Nicolás Maduro, por exemplo. Governos autoritários se admiram entre si e apoiam uns aos outros. O próprio Maduro o elogiou outro dia.

    Quanto a Cuba, também não creio que se moverá baseado em princípios ideológicos, porque Trump não possui princípios ideológicos. Creio que pensará como empresário, na alternativa política que melhor corresponda a uma boa oportunidade comercial para os EUA, então não creio que a reaproximação iniciada por Obama, por ora, esteja em perigo, mas é preciso esperar.

    E o sr. crê que a eleição de Trump pode mudar a relação do México com o resto da América Latina?

    Se isso ocorrer, seria uma consequência benéfica. O México não tem sido um bom vizinho para o resto da região. Somos pouco eficientes e pouco interessados em colaborar com questões urgentes, como a crise da Venezuela, por exemplo. E seguimos resistindo em fortalecer vínculos com o Brasil, o que me parece incompreensível, dado ao fato de serem as duas maiores economias da região.

    Creio que uma deterioração da relação do México com os EUA pode forçar-nos, finalmente, a sermos melhores vizinhos, melhores parceiros, da América Latina, um movimento que já deveria ter sido feito no passado.

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