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    ANÁLISE

    Trump aposta em política com resultados dúbios na educação

    FÁBIO TAKAHASHI
    EM NOVA YORK

    20/01/2017 17h31

    Liberdade para as famílias escolherem a escola de suas crianças tem sido o mote de Donald Trump para a educação.

    A mensagem pode parecer coerente, mas deixa implícito o conceito de que a escola pública deve perder espaço para a gestão privada. Até o momento, esse modelo privado não demonstrou resultados muito melhores do que o sistema tradicional.

    A lógica na educação básica americana hoje é semelhante à do Brasil. A massa de estudantes está na escola pública. Em geral, o aluno vai a colégios públicos próximos de sua casa. A rede particular, que cobra anuidade das famílias, existe mais como nicho, por exemplo, para quem busca escola de inclinação religiosa.

    Yuri Gripas/Reuters
    A nova secretária de Educação dos EUA, Betsy DeVos, durante sabatina no Senado
    A nova secretária de Educação dos EUA, Betsy DeVos, durante sabatina no Senado

    Uma dos principais objetivos do sistema público norte-americano é que a escola seja uma comunidade. Unida, esta comunidade pode lutar e garantir a melhor educação para as suas crianças.

    O ensino público, que era um orgulho nacional, está sob ataque. A nação mais poderosa do mundo fica apenas na metade da lista de rankings internacionais de educação, entre os países desenvolvidos.

    Está atrás, por exemplo, de Canadá, Cingapura e Alemanha no Pisa (principal avaliação de países).

    Há pesquisadores que consideram que o medíocre desempenho é fruto da pobreza de muitas famílias e da desigualdade social.

    Outros avaliam que o modelo educacional precisa de mudanças drásticas. Uma alternativa que já existe é chamada de "school choice" (escolha escolar), em que o governo oferece meios para que as famílias busquem o colégio que julguem mais adequado para seus filhos. Nesse modelo, é possível, por exemplo, que dinheiro público banque alunos em escolas de gestão privada.

    Cerca de 3 milhões dos 50 milhões de alunos americanos estão nessa política atualmente.

    É essa alternativa que Trump pretende aumentar em larga escala. Durante a campanha, ele disse que investiria US$ 20 bilhões para incentivar a prática (foi sua única grande promessa para a área).

    O recurso pode sair inclusive do Orçamento que iria para as escolas públicas tradicionais. Anualmente, o governo federal destina cerca de US$ 15 bilhões em apoio a estudantes carentes.

    A escolha escolar compreende diferentes modalidades. Uma é chamada de "charter schools", em que o colégio é financiado por dinheiro público, mas a administração é privada. Aqui, a família pode escolher se matricula o filho num colégio público tradicional ou nessa "charter".

    Implementado nos anos 1990, o modelo de escola pública com gestão privada não foi até agora capaz de demonstrar com robustez resultados superiores aos dos colégios públicos tradicionais. Há cerca de 2,5 milhões de alunos nesse modelo.

    Alguns dos principais estudos sobre o tema têm sido feitos por um grupo de pesquisadores da Universidade Stanford, chamado Credo.

    Em 2013, eles analisaram dados de 26 Estados com presença de "charter schools" –56% destas escolas não tiveram desempenho significativamente melhor do que os colégios públicos tradicionais em leitura; 25% foram melhores e 19% piores. São, porém, indicadores melhores do que os encontrados quatro anos antes.

    Pesa ainda contra as "charters" a suspeita de que elas expelem alunos deficientes ou indisciplinados, para que o trabalho delas seja mais fácil.

    Embora polêmica, a política tem recebido apoio de setores dos principais partidos americanos –o democrata Barack Obama apoiou o modelo. Mas o prefeito de Nova York, o também democrata Bill de Blasio, freou a expansão do sistema na cidade.

    A segunda possibilidade dentro do "school choice" são os vouchers. Aqui, o governo dá dinheiro para a família escolher se ela abandona a rede pública para colocar o filho numa escola "charter" ou numa particular, mesmo que a instituição tenha fins lucrativos. Obama é contra essa modalidade, mas Betsy DeVos, escolhida por Trump como sua secretária de Educação, é uma entusiasta.

    Bilionária do Estado de Michigan, ela não tem experiência em administração pública, mas tem grande envolvimento com a promoção do "school choice", por meio do terceiro setor.

    Sabatinada pelo Senado nesta semana, ela não deu muitos detalhes sobre o que novo governo fará na educação (a entrevista teve mais repercussão por ela ter dito que considera assédio sexual o que Trump disse numa gravação de 2005, que veio a público durante a campanha do ano passado).

    Os vouchers operam sob a ótica do livre mercado. As escolas têm de competir e mostrar resultado para receber o dinheiro das famílias. Também aqui os estudos não mostram clara vantagem para os estudantes com vouchers.

    Há dúvidas se colégios que podem ter lucro, a partir de recursos públicos, oferecem o melhor possível para os alunos, algo que poderia demandar corte na margem de lucro, por exemplo.

    Há quem veja segundas intenções de DeVos. A imprensa americana tem revelado conversas privadas antigas dela defendendo que o "school choice" permitirá impulso das escolas particulares cristãs (ela é ligada à igreja cristã reformada), que passariam a ser financiadas pelo Estado.

    A nova secretária afirma, publicamente, que apenas quer dar opções para as famílias e que os resultados para o "school choice" serão ainda melhores se o Estado deixar de importunar o sistema. Uma grande batalha contra a escola pública se aproxima.

    O jornalista Fábio Takahashi faz pesquisa na Universidade Columbia (EUA) sobre educação com apoio do programa Spencer Education Journalism Fellowship

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