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    Governo Trump

    Análise

    Fala mostra que Trump candidato sobrevive dentro do mandatário

    SÉRGIO DÁVILA
    EDITOR-EXECUTIVO

    21/01/2017 02h00

    Esperava-se que o Donald Trump presidente empossado fosse diferente do Donald Trump presidente eleito, que por sua vez teria sido diferente do Donald Trump candidato, e que cada um deles perdesse sucessivamente as arestas e a belicosidade da campanha.

    Não foi o que aconteceu. Seu discurso de posse é um discurso de slogans e frases feitas típicos da retórica eleitoral. Em 1.273 palavras (quase metade das 2.403 que Obama usou em 2009), o republicano mostrou que o postulante sobrevive no mandatário.

    Isso aparece em frases como "a carnificina americana para aqui e agora", ao se referir a vítimas de pobreza, desemprego, má educação e criminalidade nos EUA, ou "estamos transferindo o poder de Washington e o devolvendo a vocês, o povo americano", quando diz que a sucessão daquela tarde não era só de seu antecessor para ele.

    Aparece ainda nos períodos "o que importa verdadeiramente não é qual partido controla nosso governo, mas se nosso governo é controlado pelo povo", "compre o que é americano, contrate quem é americano" e "deste dia em diante, uma nova visão vai reger nossa terra. Deste momento em diante, será a América em primeiro lugar", que flertam perigosamente com o populismo, o protecionismo e o nacionalismo.

    Essa coerência pode ser boa para quem votou nele –o eleitor tende a enxergar as acomodações necessárias, impostas pela realpolitik, como estelionato–, mas não para os que contavam com um Trump mais moderado à frente da maior economia e aparato militar do mundo.

    Os discursos de posse dos presidentes americanos servem de carta de intenções dos próximos quatro ou oito anos no poder. Podem moldar a Presidência, são referência e frequentemente a eles se volta para confrontá-los com a realidade.

    Há trechos históricos em falas inaugurais desde o século 19. "Os acordes místicos da memória (...) ainda vão engrossar o coro da União, quando mais uma vez tocados (...) pelos melhores anjos de nossa natureza", disse o republicano Abraham Lincoln em 1861.

    "Não pergunte o que seu país pode fazer por você, (mas) o que você pode fazer por seu país", conclamou o democrata John F. Kennedy em 1961. "Na crise atual, o governo não é solução para nosso problema; o governo é o problema", definiu o republicano Ronald Reagan em 1981.

    E o democrata Barack Obama em 2009, falando sobre governantes estrangeiros corruptos ou antidemocráticos: "Estamos dispostos a lhes estender uma mão, se vocês se dispuserem a abrir seus punhos". No calor da posse, parece seguro dizer que não há nenhuma frase tão marcante no texto de Donald Trump nesta sexta-feira. A que menciona a devolução do poder ao povo foi inclusive utilizada antes pelo vilão Bane no filme "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" (2002), do Batman.

    O recém-empossado presidente americano é pioneiro em vários aspectos do cargo: o mais velho, o que tem maior fortuna pessoal, o primeiro não político. A ver se ele muda também outra praxe, fazendo de seu discurso agressivo nada mais que palavras.

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