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    Governo Trump

    Análise

    Na diplomacia de Trump, América Latina deverá ser irrelevante

    ANDREA MURTA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM WASHINGTON

    21/01/2017 23h30

    Capital mundial da especulação política, Washington tateia no escuro quanto às intenções do novo governo dos EUA –a América Latina, particularmente, se tornou um buraco negro do qual nem rumores escapam.

    Só México e Cuba emergem do pântano de irrelevância no qual o resto da região parece nadar, no que muitos veem sinais claros do distanciamento que sofrerão as relações da Casa Branca com os vizinhos do sul pelos próximos anos.

    As poucas pistas sobre as prioridades do governo de Donald Trump nas Américas indicam que a preocupação número um será o México. O país vem sendo "culpado por problemas de imigração e comércio –dois temas fundamentais para a vitória de Trump–, e ele deverá agir rápido para mudar essa situação", afirma Peter Schechter, diretor do Centro Adrienne Arsht para América Latina do think tank Atlantic Council, em Washington.

    "Estamos voltando à época na qual a política para a América Latina é vista por um filtro doméstico."

    Além do famoso muro de fronteira que Trump prometeu construir, no primeiro ano de governo ele deverá renegociar o Nafta, tratado que une as economias dos EUA, México e Canadá há 25 anos e praticamente define o progresso ao sul do Rio Grande.

    Não se sabe ainda a extensão do dano a ser feito fora do mundo do Twitter, já que o Nafta e as relações com o México são também fundamentais para a economia dos EUA: estima-se que US$ 1,5 bilhão (R$ 4,8 bilhões) em comércio atravesse o Rio Grande todos os dias.

    Mas o alto escalão obamista afirma em conversas privadas temer que a "demonização" do México dite o tom das relações com os latinos em geral. As primeiras vítimas estariam na América Central, particularmente Honduras, Guatemala e El Salvador, importantes "exportadores" de imigrantes para os EUA.

    Brian Darling, consultor conservador e ex-assessor do senador republicano Rand Paul, que concorreu com Trump nas primárias em 2016, ameniza os riscos.

    "Como presidente, Trump chega de mente aberta, longe da retórica da campanha. Deve, sim, renegociar o Nafta no primeiro ano de governo, mas ele é favorável a bons negócios. E já mostrou estar disposto a se reunir com o presidente do México e colaborar", disse.

    Cuba também se prepara para o impacto da chegada de Trump. Os poucos nomes ligados à América Latina que fazem parte das equipes de transição para o Conselho de Segurança Nacional e o Departamento de Estado são, em sua maioria, de ferrenhos anti-castristas.

    Cuba foi também o alvo principal das perguntas que a equipe de transição de Trump fez aos obamistas do Departamento de Estado, segundo membros do alto escalão que deixaram os postos na semana passada.

    Em condição de anonimato, esses obamistas dizem que os sucessores "veem a ilha de um ponto de vista transacional –querem saber o que Cuba ganhou com a aproximação diplomática. Para eles, o isolacionismo é uma virtude".

    O Twitter do presidente confirma a direção que começa a ser tomada. "Se Cuba não está disposta a oferecer algo melhor aos cubanos, aos cubano-americanos e aos EUA como um todo, vou acabar com o acordo", tuitou Trump dias após ser eleito, referindo-se às novas relações que pretende com Havana.

    A retórica linha-dura permite que Cuba –com apenas 11 milhões de pessoas– volte a tomar um significado desproporcional na politica externa dos EUA.

    E, assim como o México, o impacto de uma possível retração do diálogo com Havana seria sentido muito além da ilha.

    Ao relaxar restrições de viagem e reabrir a embaixada em Havana, os EUA reposicionaram sua relação com a América Latina fora dos velhos moldes ideológicos que historicamente opuseram os ianques aos povos da região.

    Voltar a enxergar a América Latina pela ótica de oposição a Cuba poderá reacender antigas antipatias e dificultar a diplomacia entre Washington e a região.

    A Venezuela também está no radar trumpista, a julgar pelo interesse da equipe de transição. O país é considerado uma bomba-relógio, e um racha no governo local permitiria que Washington ganhasse acesso a um país rico em petróleo e sedento por ajuda externa.

    Para o resto da região –Brasil aí incluso–, ninguém espera muita atenção da Casa Branca. O resultado pode ser tanto mais integração regional, fora da sombra de Washington, quanto uma aproximação com a China, o que é consenso na capital norte-americana.

    ANDREA MURTA é vice-diretora do Centro Adrienne Arsht para América Latina do Atlantic Council e ex-correspondente da Folha em Washington e Nova York

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