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    Movimentos de mulheres discutem o futuro da oposição a Donald Trump

    SUSAN CHIRA
    JONATHAN MARTIN
    DO "NEW YORK TIMES"

    23/01/2017 17h00

    Mais de 1 milhão de pessoas que participaram no sábado (21) de marchas de mulheres em todos os 50 Estados americanos guardaram seus cartazes, tiraram os chapéus cor-de-rosa e calaram suas palavras de ordem após a extraordinária manifestação maciça de discordância com a Presidência de Trump.

    Resta uma pergunta crítica: e agora, o que vai acontecer?

    O desafio que os organizadores têm pela frente agora é como canalizar a insatisfação e determinação de um protesto maciço em ações que provoquem mudanças políticas. É uma meta que outros movimentos populares, desde o Occupy Wall Street até o Black Lives Matter, não conseguiram alcançar. E não será menos difícil de alcançar agora, considerando que os democratas não foram capazes de derrotar o presidente Donald Trump em 2016, apesar de contarem com uma maioria demográfica emergente.

    Os organizadores estão tentando. Minutos depois da marcha em Washington ter acabado, no pôr-do-sol do sábado, seus líderes se reuniram num encontro de mobilização e discussão de quatro horas, intitulado "Onde Vamos Daqui para Frente?". No domingo (23), a organização Planned Parenthood promoveu uma sessão de treinamento com 2.000 organizadores para discutir como converter mobilização em ação política, tendo o atendimento de saúde no topo de sua lista de prioridades. O ativista democrata David Brock reuniu um grupo de 120 doadores liberais destacados em Aventura, Flórida, para ouvir planos de ações judiciais e outros desafios a serem lançados contra Trump.

    Alguns grandes movimentos do passado se formaram em torno de uma causa que uniu pessoas: a Guerra do Vietnã, os direitos civis, os gastos e socorros dados pelo governo a bancos, que ajudaram a criar o movimento ultraconservador Tea Party. No sábado, os manifestantes e ativistas liberais defenderam uma gama enorme de bandeiras, envolvendo desde os direitos reprodutivos e o ambientalismo até a oposição ao encarceramento em massa, fato que leva à pergunta de como criar um movimento coeso.

    Mas os líderes acham que o fio condutor comum –o repúdio e desprezo pelo homem que hoje é o presidente– pode ser poderoso o suficiente.

    "Trump é a resposta aqui", disse o senador democrata Jeff Merkley, do Oregon, partidário do senador Bernie Sanders na primária democrata e convidado à conferência de Brock. "Todos se unem contra ele."

    Cecile Richards, presidente da Planned Parenthood, uma das entidades que organizou as marchas, enxergou outra palavra de ordem: "As mulheres na América se negam a retroceder".

    Ai-jen Poo, diretora da Aliança Nacional de Trabalhadores Domésticos, um dos muitos grupos responsáveis pela marcha, disse que os organizadores pretendem estudar os protestos em todos os 50 Estados para identificar problemas e chamar voluntários para preparar sua base para as eleições parlamentares de 2018. Em Washington, durante o encontro após a marcha, a Planned Parenthood organizou um evento em que participantes em grande número telefonaram a seus senadores e os exortaram a proteger seu acesso à saúde.

    Todd Gitlin, ex-presidente da entidade Estudantes por uma Sociedade Democrática e estudioso de movimentos políticos, observou que os movimentos dos direitos civis e contra a guerra tiveram êxito graças às redes organizadas que precederam e seguiram todas as manifestações de protesto em massa.

    "A marcha a Washington em 1963 foi o ponto culminante de anos de ativismo local, incluindo os movimentos de desobediência civil, de registro de eleitores, de proteção dos ativistas de direitos civis e de educação de eleitores", ele comentou. "As organizações precisam estar preparadas para receber os manifestantes quando estes estiverem prontos a dar o passo seguinte."

    Os organizadores das marchas do sábado dizem que esse esforço já está acontecendo. No encontro da noite de sábado, representantes de grupos participantes das marchas fizeram apresentações de 90 minutos aos manifestantes, pedindo que se engajassem com qualquer uma das organizações que lhe agradassem. O importante, disse Poo, é criar um relacionamento contínuo com eleitores e voluntários, de modo que eles não sejam abordados apenas antes das eleições.

    Tresa Undem, sócia da firma de pesquisas PerryUndem, disse que vários anos trabalhando com grupos de discussão a convenceram de que as lutas das mulheres podem ser traduzidas em um movimento político. Ela contou que, quando mostrou a seus grupos uma lista das restrições ao aborto e a atendimento de saúde aprovadas ao nível local, as participantes imediatamente começaram a dizer que eram homens que tinham tomado essas decisões. Uma pesquisa que a fima de Undem fez, divulgada este mês, mostrou que a indignação gerada pelos comentários de Trump é o indicador mais importante de se mulheres irão adotar ações políticas específicas.

    Mesmo assim, o movimento de mulheres enfrenta vários obstáculos potenciais.

    Líderes do movimento acham que a única maneira de mobilizar as pessoas é incluir grupos díspares, o que pode acabar diluindo sua mensagem. E as feridas abertas pela eleição ainda estão profundas. Mulheres de minorias, em especial, temem que a nova atenção dada à classe trabalhadora branca possa levar a discussão do racismo a ser suavizada, por receio de desagradar aos eleitores brancos.

    "A coalizão que levou à eleição de Obama não foi mantida após a eleição", explicou Kimberlé Williams Crenshaw, professora de direito na Universidade Columbia e na Universidade da Califórnia em Los Angeles. "Não houve uma preocupação em manter a base engajada."

    A atenção a causas específicas nem sempre se traduziu em votos ao nível local, onde os republicanos ganharam deputados estaduais e governadores. Os democratas só precisam olhar para os últimos oito anos para encontrar uma história cautelar sobre o que acontece quando o nível de mobilização em torno de um movimento nacional –Barack Obama e sua Presidência histórica– não se mantém nas eleições parlamentares.

    "Em muitas partes do país, o Partido Democrata foi esvaziado", disse Gitlin.

    A preocupação com essa atrofia está levando muitos líderes democratas –incluindo Obama e seu ex-secretário da Justiça Eric Holder– a exortar a doadores e ativistas que invistam seu tempo e dinheiro em causas pouco chamativas, tais como os Legislativos estaduais e a mudança do traçado dos distritos eleitorais americanos.

    Os organizadores dizem que a urgência da Presidência de Trump pode ajudar a lançar uma ponte sobre as divisões do Partido Democrata. "Juntos, temos recursos e criatividade suficientes para resolver os problemas de todos nós", disse Poo. "Há muito trabalho a ser feito para chegar lá."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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