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    Escolas temem que reforma no ensino leve a avanço conservador na Polônia

    NEIL BUCKLEY
    EVON HUBER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    26/01/2017 07h00

    Desde que Ewa Korulska inaugurou a escola média de Startowa, como diretora, em 2007, seu objetivo era torná-la um modelo para a educação na Polônia.

    Agora, a escola localizada em um subúrbio de Varsóvia pode ser varrida como parte de reformas educacionais planejadas pelas autoridades que levam a guerra cultural entre o governo conservador da Polônia e seus críticos às escolas do país.

    Escolas médias como Startowa, que atendem a alunos de entre 13 e 16 anos, seriam abolidas, nos termos da reforma, mas Korulska e muitos educadores têm preocupações mais amplas.

    Eles afirmam que as mudanças planejadas, que incluem carga horária menor para as ciências e um período mais curto de educação compulsória, deixarão as crianças mal preparadas para os empregos e a vida modernos.

    "O que está acontecendo é desastroso", diz Korulska, cuja escola bem iluminada e moderna tem paredes decoradas com fotos dos alunos. "O currículo atual não era perfeito. Mas o que vemos é como se alguém que tem um buraco no telhado decidisse que o melhor é demolir a casa, em vez de consertá-lo, e depois fica sem ter onde morar".

    Muita gente na hierarquia da educação teme que a reforma seja parte da "contrarrevolução cultural" promovida por Jaroslaw Kaczynski, presidente do Lei e Justiça, o partido governista.

    O objetivo é promover o recuo do liberalismo social surgido desde o colapso do comunismo e da adesão da Polônia à União Europeia, devolvendo o país às suas raízes mais católicas e conservadoras.

    Como muitos professores e acadêmicos, Korulska se preocupa com a possibilidade de que os planos do governo para que as escolas dediquem muito mais tempo a lições de história, e para que elas redefinam o currículo da disciplina, tenham por objetivo criar um "polonês novo".

    "Tenho medo de que [as reformas] façam das crianças pequenos nacionalistas, em lugar de patriotas", ela diz. "O objetivo é criar um ser humano obediente, xenófobo, tradicionalista, extremamente católico, desprovido de quaisquer valores europeus".

    Os planos para as escolas se tornaram o principal motivo de choques entre os governo e seus oponentes desde que imensas manifestações de mulheres, em outubro, forçaram o governo a abandonar seus planos de impor proibição quase total a abortos.

    O poderoso sindicato dos professores está planejando uma greve nacional para março e apela —com apoio dos partidos de oposição— por um referendo sobre as propostas. Estudantes estão realizando manifestações de protesto em diversas cidades, na quarta-feira, em parte contra os planos para a educação.

    Mateusz Kijowski, presidente do Comitê pela Defesa da Democracia, que organizou grandes manifestações antigovernamentais, diz que o Lei e Justiça deseja "criar o 'seu' homem, dedicado ao partido, que não ouça a ciência e os fatos e seja só um crente".

    O governo está revertendo uma reforma de 1999, que aboliu um sistema de educação em dois estágios que datava da era comunista, com oito anos de educação básica iniciados aos sete anos de idade e mais quatro ou cinco anos em uma escola secundária profissionalizante ou acadêmica.

    As mudanças de 1999 criaram um terceiro estágio, estendendo o período básico de estudo por um ano, com seis anos de ensino básico, três de ensino médio e três ou quatro de ensino secundário.

    O Ministério da Educação da Polônia disse ao "Financial Times" que as reformas de 1999 e as escolas médias "encontraram reação negativa da maior parte da sociedade e simplesmente não funcionaram", no que tange a melhorar a educação.

    Especialistas em educação dizem que a Polônia na verdade avançou de modo impressionante nos testes Pisa internacionais para estudantes de 15 anos, entre 2000 e 2012, subindo de abaixo da média nas três matérias testadas para um dos 10 primeiros postos do ranking em leitura e ciências, e para o 13º posto em matemática em 2012.

    Entre 2012 e 2015, os resultados do país pioraram um pouco, ainda que os poloneses tenham continuado na porção superior do ranking.

    Abolir as escolas médias custará empregos aos 684 mil professores do país. Mas Slawomir Broniarz, presidente do Sindicato Nacional dos Professores da Polônia, disse que o maior problema é o novo "e embaraçoso" currículo. "Isso não é a Polônia do século 21".

    Os professores alertam que reduzir a duração da educação obrigatória vai gerar resultados piores e adiantar em um ano a decisão dos alunos sobre continuarem ou não sua educação.

    Korulska também se preocupa com a ênfase em conteúdo decorado, nos novos currículos básicos, de preferência a ensinar aos estudantes como buscar dados confiáveis em um mundo que sofre de "excesso de informação".

    O novo currículo reduz o tempo dedicado a física, química, biologia e informática e amplia o tempo dedicado à história, disciplina na qual, segundo Broniarz, o governo está tentando criar novos heróis e "padrões patrióticos".

    "Sou professor de história, mas essa mudança de proporção me preocupa", ele disse. "Você pode ganhar um Prêmio Nobel de física, mas a história da Polônia não oferece prêmio semelhante".

    Os professores se queixam, também, de que o currículo de educação sexual omite qualquer referência ao aborto e está sendo preparado por um católico ardoroso que se opõe aos anticoncepcionais. O anteprojeto de currículo para a biologia, nas escolas primárias, minimiza a teoria da evolução.

    O Ministério da Educação nega que as mudanças tenham motivo político ou aspirem a transformar os estudantes em nacionalistas.

    "Queremos que as crianças deixem as escolas valorizando seu idioma natal e sua cultura, e toda a sua herança", afirmou o ministério. "Queremos deixar de lado os métodos tradicionais de educação, que giram em torno de obter bons resultados nas provas". O ministério informou que os planos se baseavam em amplas consultas, embora os professores afirmem que suas opiniões não foram consideradas.

    Na escola Startowa, Korulska diz que aderirá à greve, e professores, partidos de oposição e associações de pais estão se unindo para combater os planos.

    Karolina, 14, uma das alunas da escola, se preocupa com a possibilidade de que um currículo menos rigoroso reduza as chances de estudo ou trabalho no exterior, para os poloneses. "Seremos menos bem vistos em outros países", ela diz. "Voltaremos ao século 19".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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