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    Cresce número de brasileiros pegos tentando entrar ilegalmente nos EUA

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON

    05/02/2017 02h00

    Em 16 de dezembro do ano passado, a mineira Adriana (nome fictício) chegou a Ciudad Juárez, no México, e foi deixada por um coiote (traficante de pessoas) numa estrada bem perto da fronteira com os EUA.

    Ela desceu do carro, pegou a filha de 2 anos no colo e deu a mão à filha de 9, que tem microcefalia e não consegue andar muito rápido. Colocou uma mochila nas costas do filho de 7 anos e falou: "Vai correndo e não olha para trás". Eles não podiam ser pegos pela polícia mexicana, que os mandaria de volta ao Brasil.

    José Luis González - 2.fev.2017/Reuters
    Carro da Patrulha de Fronteira dos EUA passa ao lado de grade que separa Ciudad Juárez de El Paso
    Carro da Patrulha de Fronteira dos EUA passa ao lado de grade que separa Ciudad Juárez de El Paso

    A família foi correndo no meio do deserto, ultrapassou uma barreira que demarcava a fronteira e continuou até que um carro da patrulha americana os interceptou.

    Mas já estavam em solo americano e sabiam que não poderiam ser deportados.

    "Eu estava muito nervosa, só pedia a Deus para a gente conseguir atravessar", contou Adriana, 28.

    Ela trabalhava como doméstica em Minas e tomou US$ 20 mil (R$ 62,4 mil) emprestados da irmã, que mora nos EUA, para pagar o coiote. Na travessia, largou a mala na estrada. "Ou me ocupava das crianças ou puxava a mala. Chegamos aos EUA com três mudas de roupa."

    É cada vez maior o número de brasileiros que entram ilegalmente nos EUA. De acordo com a Patrulha da Fronteira americana, mais que dobrou o número de famílias brasileiras detidas na travessia –de 608 indivíduos integrantes de família no ano fiscal de 2015 para 1.541 no ano fiscal de 2016, que termina em 30 de setembro.

    A quantidade de crianças brasileiras desacompanhadas pegas na fronteira seguiu a mesma tendência e quase triplicou, de 23 para 66.

    A comunidade de brasileiros em situação irregular nos EUA era estimada em 140 mil pessoas (de um total de cerca de 1,4 milhão de brasileiros) em 2009.

    Com a crise financeira americana, a partir de 2008, houve um êxodo de brasileiros, e o número caiu para cerca de 100 mil em 2011.

    Mas, com a situação econômica se deteriorando no Brasil a partir de 2014, muitos dos "retornados" voltaram aos EUA.

    "CAI CAI"

    A maioria dos brasileiros fica nos EUA pelo sistema conhecido como "cai cai" —cruzam a fronteira e imediatamente se entregam à polícia. Isso porque, pelas regras atuais, não se deportam automaticamente crianças que entram no país de forma ilegal.

    Por isso, muitos pais ou mães viajam acompanhados de um filho menor de idade para evitar a deportação. "Eles os usam como salvo-conduto", diz Roberto Ardenghi, cônsul do Brasil em Houston, no Texas.

    Atualmente, há 200 brasileiros detidos em abrigos da imigração só no Texas, que faz fronteira com o México. Com o aumento da demanda, o consulado de Houston contratou um escritório de advocacia só para dar assistência aos brasileiros que estão chegando ilegalmente.

    A lei americana exige que crianças de países que não fazem fronteira com os EUA fiquem sob os cuidados do Departamento de Saúde antes de serem encaminhados a um responsável, que deve ser parente direto.

    Enquanto o responsável não é encontrado ou não comprova sua relação com a criança, ela fica num abrigo.

    Maria, que vive irregularmente nos EUA, mandou buscar as duas filhas no Brasil —uma de 21 e a outra de 12. Ela pagou US$ 35 mil (R$ 109,2 mil) a um coiote. A mais velha ficou na detenção alguns dias, mas a menor teve de ficar quase um mês num abrigo em Chicago.

    Maria e o marido foram para os EUA há 11 anos e deixaram as filhas com a família em Minas. "Fiquei com medo, mas valeu a pena, finalmente nossas filhas estão com a gente", disse. "Mas agora, com [o presidente Donald] Trump, não sei se vão deixar elas ficarem aqui."

    As meninas aguardam a audiência com um juiz de imigração, que decidirá se elas podem ficar com os pais nos EUA. "Precisa ver o que Trump vê como crime. Para ele, não ter documento é crime. No Brasil, crime é matar e roubar", diz Maria.

    Segundo Luiza Lopes da Silva, diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior, cada consulado começou a mapear os abrigos em sua jurisdição para dar a assistência necessária aos brasileiros detidos.

    "Nos abrigos, as crianças recebem cuidados de assistentes sociais e alimentação, mas é uma experiência traumática", diz Silva.

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