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    Minha História

    Preso por ser jovem demais, refugiado sírio diz ter sido torturado em prisão

    DEPOIMENTO À FOLHA

    09/02/2017 02h00

    Associated Press
    O sírio Omar al-Shogre, em Estocolmo em janeiro, e em Antalya, na Turquia, dias após sair da prisão
    O sírio Omar al-Shogre, em Estocolmo em janeiro, e em Antalya, na Turquia, dias após sair da prisão

    RESUMO Omar al-Shogre, 21, passou três anos em uma prisão síria. Foi detido aos 17 anos e afirma ter sido torturado com choques elétricos e fome –pesava 35 quilos quando foi solto, em 2015, diz ele, hoje refugiado na Suécia.

    O relato coincide com a denúncia da Anistia Internacional sobre violações aos direitos humanos em prisões sírias. Shogre esteve detido em Saydnaya, onde, segundo a organização, até 13 mil presos foram enforcados.

    *

    Fui preso na Síria porque eu era jovem demais.

    Eu tinha 17 anos e, na minha cidade, Tartus, havia muitas manifestações contra o governo. A polícia veio e prendeu diversos de nós.

    Eu disse para eles que era um terrorista porque me torturaram. Falei que matei muitas pessoas. Que meu pai tinha matado muitas pessoas. Confessei essas coisas porque não queria mais ser torturado. Era muito difícil aguentar a eletricidade.

    Passei três anos preso. Ainda tenho pesadelos com isso todas as noites. Sonho que me torturam. Eu me lembro de como me penduravam, de como me eletrocutavam. Sonho com a comida da prisão, que não era o suficiente nem mesmo para um passarinho.

    Acordo, de manhã, e fico feliz em ver que eram pesadelos. Grito: "Estou aqui! Na Suécia! Não estou na prisão!".

    Tudo o que aconteceu na detenção foi muito importante para mim. Foi como uma universidade. Eu era uma criança e aprendi ali tudo o que sei sobre a vida. Não posso me esquecer disso.

    Aprendi, por exemplo, a aguentar as dificuldades da vida. Também aprendi a ajudar as pessoas. Na Suécia, sempre se fala de ajudar o próximo, mas na prisão nós sabíamos o que significa ajudar. Não era só a palavra.

    Nós ajudávamos uns aos outros. Dividíamos a comida, por exemplo. Éramos irmãos.

    Muitos dos detentos tinham memorizado o Alcorão, o livro sagrado do islã. Eles me ensinaram trechos. Mas era muito perigoso porque, se as autoridades soubessem disso, poderiam nos matar. Tínhamos que sussurrar.

    Estive na prisão de Saydnaya. Era absolutamente a pior. A vida era muito difícil. Eu estava sempre com medo, sempre com fome. Queria água. Queria ver o sol.

    Havia estupros. Sempre, sempre. Queriam matar a humanidade dentro da gente. Mas não conseguiram. Eu sempre sorrio. Tive uma história difícil, mas fiquei com a parte positiva. Venci. Estou aqui. Estou no meu futuro.

    Eu saí da prisão porque minha mãe pagou US$ 15 mil (R$ 47 mil) aos guardas. Fui para a Turquia, para a Grécia, Macedônia... Cheguei à Suécia, onde vivo agora. Estou estudando sueco. Tenho prova amanhã.

    Tenho medo do regime sírio. Eles espionam todo o mundo. Sou apenas uma pessoa e podem me matar. Mas é muito importante falarmos sobre as prisões, porque há muita tortura, e os presos precisam de ajuda.

    Se me matarem, está tudo bem. Vou ter falado. Talvez eu possa salvar centenas de pessoas devido a isso.

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