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    Exaustos, jornalistas descobrem senso de missão renovado sob Trump

    MICHAEL M. GRYNBAUM
    SYDNEY EMBER
    DO "NEW YORK TIMES"

    17/02/2017 11h16

    Delitos de conduta na Casa Branca. Vazamentos sensacionais. Batalhas entre grandes jornais.

    A história que gira em torno do relacionamento do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com a Rússia está sendo comparada, em círculos jornalísticos, a grandes trabalhos de reportagens do passado, como o caso Watergate ou o caso Monica Lewinsky –mas com traços particulares do século 21.

    Organizações de imprensa como o "Washington Post", "New York Times" e CNN estão lutando por furos, mas em lugar de enviar office boys para comprar as edições matutinas dos jornais rivais nas bancas, os editores acompanham o desenrolar das notícias em tempo real no Twitter.

    Fontes anônimas estão sendo usadas para embasar grandes artigos, e mensagens cifradas trocadas por meio de iPhones são a origem dos vazamentos em pauta, em lugar de encontros clandestinos em garagens subterrâneas de Washington.

    O ciclo de notícias começa ao nascer do sol, quando repórteres sonolentos ouvem o "ping" que anuncia uma mensagem presidencial no Twitter, e às vezes termina só de madrugada, com editores demolindo a primeira página planejada, diante de novas revelações em Washington. Em termos de consequências e de velocidade, os desdobramentos políticos das quatro últimas semanas estão despertando memórias de épocas marcantes do jornalismo.

    "Há um senso de urgência e uma energia, hoje, que me fazem lembrar de quando eu tinha 29 anos e vivia uma situação muito diferente: uma revolução na Rússia", diz David Remnick, editor da revista "New Yorker" que foi correspondente do "Washington Post" em Moscou durante o colapso da União Soviética. "Não estou dizendo que temos uma revolução, agora. Mas há a mesma incerteza quanto ao que está acontecendo, de minuto a minuto, dia a dia".

    "Há o senso de que cada dia vai trazer alguma coisa surpreendente, se não calamitosa", ele acrescentou.

    Para jornalistas ansiosos sobre a situação de sua profissão, há um senso de missão renovado. Os jornais estão registrando alta forte em suas assinaturas. As notícias televisivas, que até recentemente eram consideradas tão mortas quanto os dinossauros, na era da internet, estão prosperando.

    A audiência de Rachel Maddow na rede MSNBC está 79% acima de seus números um ano atrás, e o programa dela nas últimas duas semanas vem atraindo mais de 2 milhões de telespectadores por noite. Na terça-feira (14), Tucker Carlson, da emissora Fox News, teve mais telespectadores para seu programa do que séries de sucesso na TV aberta como "New Girl" e "Marvel's Agentes of S.H.I.E.L.D."

    Se a rotina energiza, ela também é fatigante. Na tarde da quarta-feira (15), Rosie Gray, redatora da revista "Atlantic", postou no Twitter que "só faltam nove horas para a próxima grande revelação noticiosa que nos impedirá de levar vidas normais". Hallie Jackson, correspondente da rede de TV NBC na Casa Branca, respondeu, em tom jocoso, um minuto mais tarde: "Vida? Que que é isso?", e Gray rebateu com "lembro vagamente de que tinha uma". A mensagem de Gray recebeu mais de 850 likes durante o dia.

    "O ritmo acelerado dos acontecimentos me lembrou da época de O. J. e Monica", disse Jeffrey Toobin, que cobriu o julgamento de O. J. Simpson por homicídio e o escândalo envolvendo Lewinsky para a "New Yorker". "É a maneira pela qual os jornalistas e os consumidores, igualmente, se sentem sobrecarreados pelo ritmo dos acontecimentos, e aquela sensação de 'será que não podemos parar um pouco?'"

    Até mesmo pessoas que ganham a vida satirizando políticos se veem fascinadas. Em Los Angeles, no cenário da série "Veep", estrelada por Julia Louis-Dreyfus, os roteiristas e atores correm para ler as últimas notícias, entre as tomadas. "Todo mundo está com o celular na mão", disse Frank Rich, um colunista de tendências progressistas que é um dos roteiristas da série.

    A aceleração no metabolismo não é partidária. Muitos sites de notícias direitistas estão cobrindo cada reviravolta do que acontece na Casa Branca e resistem à ideia de que o governo está envolvido em um grande escândalo.

    "Querida esquerda: Quando tudo é causa de indignação, nada causa indignação", tuitou Katie Pavlich, editora do site de notícias Townhall, quarta-feira, acrescentando, sobre os desdobramentos recentes, que "não estamos falando de Watergate".

    No programa "Fox & Friends" da manhã de quarta-feira, os apresentadores da Fox News tomaram por alvo os responsáveis pelos recentes vazamentos que viraram manchetes. "Eles estão prejudicando a todos nós; trata-se de segredos nacionais", disse a âncora Ainsley Earhardt. Seu coâncora, Steve Doocy, disse que "o presidente, a Casa Branca, o Congresso, precisam fazer alguma coisa a respeito".

    Apropriadamente, para um presidente apaixonado por reality shows, o drama na Casa Branca começa a parecer uma espécie de julgamento de O. J. Simpson no plano político, enredando o país e gerando uma legião de celebridades improváveis.

    O circo de Simpson tinha Lance Ito e Robert Shapiro. O governo Trump tem o secretário de imprensa Sean Spicer, cujas entrevistas coletivas vespertinas agora superam a novela "General Hospital" nos índices Nielsen de audiência. Nas últimas duas semanas, Spicer foi caricaturado pelo programa "Saturday Night Live", em uma interpretação de Melissa McCarthy que já está gerando rumores sobre um possível prêmio Emmy.

    Kellyanne Conway, a assessora jurídica da Casa Branca, era uma obscura especialista em pesquisas do Partido Republicano antes que suas declarações tortuosas em defesa de Trump na televisão tornassem seu nome conhecido do público. Na quarta-feira, Mika Brzezinski, apresentadora da MSNBC, anunciou que não voltaria a entrevistar Conway em seu programa, afirmando que "não acredito em falsas notícias ou informações que não sejam verdadeiras".

    O que separa a história sobre a Rússia do frenesi habitual da mídia, dizem os jornalistas, está naquilo que embasa as acusações: espionagem russa e interferência no processo eleitoral envolvem questões graves de democracia e política externa. E a imagem de caos no círculo de assessores mais próximos do presidente evoca governos conturbados do passado.

    "Temos o que parece ser uma história de proporções semelhantes ao caso Watergate", disse Rich, "combinada a uma nova esfera de mídia que tem uma atmosfera de oeste selvagem".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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