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    Contador de histórias de anônimos em Nova York ouve relatos de paulistanos

    DAIGO OLIVA
    EDITOR-ADJUNTO DE IMAGEM

    23/02/2017 02h00

    Numa das laterais do parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, um flanelinha conversa com um branquelo alto, loiro, com pinta de gringo. O papo começa cheio de generalidades sobre política, do "desemprego que mata o Brasil" aos "corruptos que roubam o povo".

    Seis perguntas depois, porém, o mesmo homem que dava respostas evasivas já está contando sobre o crime que o levou à cadeia, o período encarcerado e os filhos que cria junto à segunda mulher.

    Era a oitava entrevista que Brandon Stanton, 32, fazia naquele dia. Na América do Sul pela primeira vez, o criador do Humans of New York, projeto no qual compartilha retratos e histórias de anônimos, divertia-se com demonstrações de carinho dos casais que passeavam pelo parque.

    Giovanni Bello/Folhapress
    Brandon Stanton, do Humans of New York, conversa com flanelinha no parque da Água Branca, em SP
    Brandon Stanton, do Humans of New York, conversa com flanelinha no parque da Água Branca, em SP

    "Incrível como aqui há idosos que se casam várias vezes e desfilam esse amor publicamente. Falei com senhores que estão no terceiro casamento. Isso é muito bonito."

    Stanton é obcecado por histórias de desconhecidos. Em 2010, aos 26 anos, foi demitido de seu emprego no mercado financeiro e decidiu fazer o projeto que tinha em mente.

    Mudou-se para Nova York, cidade que não conhecia. Além de entender um lugar bem diferente de Atlanta, onde nasceu, teve de aprender a fotografar profissionalmente. Desde então, aborda estranhos com perguntas íntimas como "qual é o momento mais triste de sua vida?".

    As respostas, que vão de histórias dramáticas a casos que derretem o coração, parecem todas genuínas e íntimas, o que fez com que o Humans of New York se tornasse um fenômeno em poucos meses. Hoje, os perfis do projeto acumulam 18 milhões de seguidores no Facebook e outros 6,5 milhões no Instagram.

    No mundo real não é diferente. Os dois livros que Stanton lançou alcançaram o topo da lista de mais vendidos do "New York Times".

    É a partir da venda dos títulos e da renda de palestras que o fotógrafo financia viagens como a que faz agora —além do Brasil, visitou Argentina, Chile, Uruguai e Peru. Após passar por São Paulo, ele vai a Rio, Salvador e Chapada Diamantina.

    Em 2012, foi ao Irã, a primeira viagem internacional do projeto, que nos anos seguintes passou por Iraque, Paquistão, Uganda, México, Israel e Índia, entre outros.

    "O ponto principal é se aproximar com confiança, calma e um jeito que não seja ameaçador", explica Stanton. "É muito mais como você diz algo, e não o que diz. Não melhorei a forma como abordava as pessoas porque encontrei a coisa certa a dizer, mas porque me sentia mais confortável ao falar com elas."

    Além da calma que Stanton transmite, seu visual básico —camiseta, bermuda e tênis— faz com que ele passe por uma pessoa qualquer.

    ABSTRAÇÕES

    A principal palavra que usa para definir o que faz suas conversas serem especiais é "energia" —ainda que o fotógrafo diga odiar abstrações.

    "Energia é importante quando você pergunta sobre a morte de sua mãe, vício em drogas ou a época em que você traiu sua mulher. Há uma pequena diferença entre conversas e entrevistas. Mas essa pequena distinção provoca resultados drasticamente diferentes. Eu converso, eu não entrevisto as pessoas."

    Giovanni Bello/Folhapress
    Dentro do parque, na zona oeste paulistana, Brandon Stanton conversa com idoso, ao lado da tradutora
    Dentro do parque, na zona oeste paulistana, Brandon Stanton conversa com idoso, ao lado da tradutora

    Na prática, a tal energia se materializa em certas regras:

    1) A abordagem começa com o pedido de um retrato;

    2) Stanton se aproxima apenas de pessoas que estão sozinhas ou em duplas. Os solitários falam sobre suas vidas. Já os pares discorrem sobre o relacionamento entre eles;

    3) Procura ser cordial, sobretudo na abordagem, mas durante a conversa faz poucas expressões faciais e anota todo o papo no celular. A voz é suave, e ele não demonstra pressa —os diálogos podem durar mais de 40 minutos;

    4) As entrevistas começam com perguntas como "você é aquilo que projetou ser quando tinha 18 anos?" ou "qual é seu maior arrependimento?";

    5) O fotógrafo elabora então questões a partir das respostas. Foge de generalidades e investe em pontos ainda sem muitos detalhes, mas sempre com extrema cautela.

    GANCHOS

    "Quando a pessoa começa a fugir de um assunto, ele interrompe e puxa o tema de volta", conta Maria Fernanda Lana, 32, que traduz os relatos paulistanos para Stanton e o levou a locais como o parque do Ibirapuera, a avenida Paulista e a praça Roosevelt.

    Fã do projeto, ela diz que o fotógrafo é "muito habilidoso em perceber pequenos ganchos que a pessoa solta sobre a história que quer contar".

    Brandon Stanton/Humans of New York
    Menina que venceu eleição do grupo de escoteiros do qual faz parte posa no parque da Água Branca
    Menina que venceu eleição do grupo de escoteiros do qual faz parte posa no parque da Água Branca

    Antes de viajar à América do Sul, o americano publicou uma mensagem no Facebook buscando tradutores. Embora Maria seja intérprete profissional, Stanton diz que a escolha não tem a ver com o nível de fluência em inglês, mas com —de novo— energia.

    "Os tradutores têm de ser a minha língua, têm de parar as pessoas na rua, têm de fazer com que os personagens se sintam confortáveis. Tudo isso gira em torno de energia."

    Ainda que as histórias publicadas por Stanton abordem temas pesados, que costumam ser evitados, ele nem sempre publica o que ouve nas ruas.

    Relatos com acusações a terceiros são vetados, assim como narrativas que apresentem visões racistas. Se o projeto é capaz de dar visibilidade a uma campanha beneficente que arrecadou US$ 1 milhão para uma escola, Stanton não quer servir de vitrine a mensagens de ódio.

    O fotógrafo descarta incluir o presidente dos EUA, Donald Trump, entre os personagens do Humans of New York, ao contrário do que fez com o antecessor, Barack Obama, e Hillary Clinton, candidata democrata derrotada nas eleições.

    "Uma boa entrevista ocorre quando alguém se mostra aberto, honesto e vulnerável. Já uma conversa ruim acontece quando as pessoas levantam escudos e falam generalidades em vez de revelar suas vidas", explica ele.

    "Nada do que vejo em Trump me mostra que há algo real pelo qual eu possa me interessar. Tenho a sensação de que, após 45 minutos de conversa, eu deixaria sua sala sem ter algo relevante para publicar. O que vejo é alguém que desconversa, e o meu projeto é sobre ser objetivo."

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