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    Sob Trump, conservador quer rejeitar rótulo de racista e extremista

    ISABEL FLECK
    DE WASHINGTON

    26/02/2017 02h15

    No estande posicionado logo na entrada da conferência anual da União Conservadora Americana (ACU), a camiseta mais procurada, a US$ 20 (R$ 62), estampa a marca fictícia "Muro de Fronteira Construções", com o desenho de uma escavadeira.

    O produto é a estrela da tenda do site conservador Breitbart, que, por sua vez, é um dos destaques do evento e foi definido por seu ex-comandante e hoje estrategista-chefe de Donald Trump, Stephen Bannon, como plataforma para a alt-right (direita alternativa), de posições racistas e extremistas.

    Alex Wong - 24.fev.2017/Getty Images/AFP
    O presidente Donald Trump acena para apoiadores após discurso em conferência conservadora
    O presidente Donald Trump acena para apoiadores após discurso em conferência conservadora

    Só que mesmo com o destaque dado ao Breitbart e sendo Bannon uma das palestras mais aguardadas da conferência, seus organizadores não perderam uma única oportunidade de tentar se descolar da alt-right, chamada por eles de "organização sinistra".

    O paradoxo é revelador do atual momento dos conservadores americanos, que tentam se definir como grupo após terem sido atropelados pelo fenômeno Trump.

    Ele, inclusive, nunca foi destaque na principal conferência dos conservadores até se tornar presidente. Há seis anos, por exemplo, visto só como um bufão, fez parte de um evento lateral, no qual foi vaiado por parte da plateia.

    Na última quinta (23), na conferência realizada no National Harbor, em Maryland, Trump foi descrito como o homem que "uniu o Partido Republicano e o movimento conservador". "E se o partido e o movimento estão juntos, não podem ser parados", disse o chefe de gabinete de Trump, Reince Priebus, sob aplausos de um auditório cheio.

    Já a direita alternativa precisa ser detida, defendeu o diretor-executivo da ACU, Dan Schneider, numa palestra de tom doutrinário. "Há uma organização sinistra que está tentando se firmar às nossas custas. Eles são racistas, sexistas, odeiam a Constituição, o livre mercado, o pluralismo. Eles não são uma extensão do conservadorismo."

    O primeiro alvo foi o provocador Milo Yiannopoulos, que teve sua palestra no evento suspensa após ter divulgada uma fala sua relativizando a pedofilia. O segundo foi o supremacista branco Richard Spencer, expulso após ter sido "descoberto" em meio aos participantes -alguns deles o tietavam quando chegaram os seguranças.

    Bannon poderia ter sido o terceiro, mas Matt Schlapp, presidente da ACU, disse à Folha que se tivesse "qualquer dúvida" sobre a ligação entre o ex-Breitbart e o movimento alt-right, ele não seria um convidado de honra.

    "Ele é um homem que não tem racismo no seu coração, que rejeita a intolerância, cujo único pecado tem sido chacoalhar o sistema", afirmou Schlapp, para quem o conservadorismo ainda é a "soberania residir no indivíduo".

    A definição parece encontrar eco entre o público —menos diverso que num comício democrata, mas ainda assim com minorias representadas.

    Bem perto de um estande da Associação Nacional do Rifle, maior grupo de lobby pró-armas dos EUA, a transgênero Jordan Evans, 25, segurava uma placa com os dizeres "orgulho de ser conservadora, orgulho de ser transgênero, orgulho de ser americana #SameTeam (mesmo time)".

    "Eu sinto que tenho uma família aqui, porque todos concordamos que ser conservador é ter o direito de ser deixado em paz", disse Evans, apesar de reconhecer a decepção com a decisão de Trump de acabar com a autorização para que estudantes transgêneros usem os banheiros em que se sentirem mais confortáveis.

    Horas depois, o religioso vice-presidente Mike Pence faria um discurso no qual disse que o governo Trump "restabeleceu a cultura da vida" ao restaurar o impedimento ao financiamento de ONGs estrangeiras que promovam o direito ao aborto. As frases que arrancaram mais aplausos durante o dia, contudo, versavam sobre menos controle federal e menos impostos.

    "Ser conservadora é lutar por uma carga tributária menor, acredito nisso", disse Mary Sloan, 20, vestindo uma camiseta "Socialism sucks" (socialismo é uma merda).

    Para o corretor de seguros Paul Johnson, 50, a maior dificuldade hoje para os conservadores é "competir com o liberalismo". "O liberalismo te dá coisas: mensalidade de graça, contracepção de graça. Eles dizem que eles são os que gostam de gays, de negros e de imigrantes, e que os conservadores os odeiam", diz Johnson, que é negro. "O desafio é combater essa visão."

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