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    Análise

    Imprevisível, Trump adota tom moderado ao falar no Congresso

    PETER BAKER
    MAGGIE HABERMAN
    DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

    01/03/2017 12h27

    O discurso estava escrito e a estratégia para apresentá-lo tinha sido definida. Então, o presidente Donald Trump começou a falar, e o plano voou pela janela. A não ser que tenha sido esse o plano desde o começo.

    Quando Trump se sentou com âncoras de televisão na Casa Branca para um almoço em off na terça-feira (28), a ideia era que fizesse uma prévia de seu primeiro discurso para o Congresso. Em vez disso, ele de repente abriu a possibilidade de uma lei de imigração que potencialmente deixaria milhões de imigrantes não autorizados permanecerem legalmente no país.

    Uma legislação desse tipo vinda do presidente que promete "construir um muro" na fronteira com o México assinalaria uma reviravolta política na capital, e Trump disse aos âncoras que não havia nada como isso no texto provisório do discurso até então. Mas ele se voltou para assessores e sugeriu que talvez devessem incluí-lo. Terminado o almoço, os assessores partiram correndo para alertar seus colegas, incluindo Stephen Bannon e Stephen Miller, os arquitetos da repressão à imigração decretada pelo presidente.

    Mais uma vez o presidente tinha rasgado o roteiro e mergulhado sua administração em turbulência. Mais uma vez Washington se viu tentando decifrar qual seria sua estratégia. Era um gesto de genialidade louca, um líder improvisador propondo uma iniciativa revolucionária para reformar a imigração, depois de ter declarado terminantemente sua intenção de deportar os "bad hombres"? Ou seria simplesmente loucura, um amador político indisciplinado que não resistiu à tentação de dizer a seus convidados o que pensou que eles queriam ouvir, mesmo às custas de sua própria base política?

    No final, ele não incluiu a proposta no discurso. No entanto, colocando-se à altura da ocasião, Trump na noite de terça-feira falou no tom mais presidencial que já foi ouvido de sua parte desde assumir a Presidência. Ele evocou Abraham Lincoln e Dwight Eisenhower, saudou o Mês da História Negra, condenou a violência antissemita, louvou empreendedores americanos como Alexander Graham Bell e Thomas Edison e prometeu uma "renovação do espírito americano". Trump seguiu o texto escrito nos teleprompters, mais que em qualquer outro discurso importante em sua Presidência.

    Mesmo assim, o paradoxo continuou presente. Apenas horas depois de ter tachado de "incompetente" a deputada Nancy Pelosi, líder da bancada democrata na Câmara, ele pediu que os políticos trabalhem "deixando as diferenças partidárias de lado". Ele declarou que "a hora das brigas triviais ficou no passado", semanas apenas depois de ter travado uma guerra pública com Arnold Schwarzenegger no Twitter em torno da audiência do programa "O Aprendiz". Prestou homenagem emotiva a um comando Seal da Marinha morto em combate, no mesmo dia em que culpou "os generais" pela morte do militar.

    E houve aquele balão de ensaio sobre a imigração. No mínimo, Trump, o showman, manteve a atenção das pessoas exatamente onde queria: voltada totalmente para ele. Quando ele subiu ao pódio da Câmara dos Deputados na noite de terça-feira para fazer o discurso que foi o equivalente funcional ao discurso sobre o Estado da União, Trump já tinha gerado suspense considerável em torno do que iria dizer de fato e como suas palavras seriam recebidas.

    Com os parlamentares atentos para detectar uma possível mudança de rumo político, Trump se gabou de deportar "membros de gangues, traficantes e criminosos", dizendo que "os bandidos estão saindo enquanto falo". Apresentou convidados no camarote da primeira-dama cujas famílias tinham sofrido às mãos de criminosos que estavam no país ilegalmente.

    Mas Trump falou em "reformar nosso sistema de imigração legal", dizendo, como já disse anteriormente, que os Estados Unidos deveriam basear a admissão de estrangeiros no mérito destes. "Acredito que uma reforma imigratória verdadeira e positiva é possível, desde que possamos enfocar os seguintes objetivos", ele disse: "melhorar os empregos e salários dos americanos, fortalecer a segurança de nosso país e restaurar o respeito por nossas leis."

    Não ficou claro, quando o discurso terminou e Trump deixou o recinto, se isso tudo era ou não uma distração intencional. Esta é, afinal, uma Casa Branca que se compraz em praticar algo que seus ocupantes atuais descrevem como "head fake" (enganação), em que o presidente dá a impressão de estar se movendo em um sentido, quando na realidade está indo em direção totalmente diferente, chegando a criar uma controvérsia para desviar as atenções de outra.

    Isso deixa seus aliados e também seus adversários perplexos, sem entender o que Trump realmente pensa. Em discussões reservadas, o senador do Kentucky Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado, já disse que Trump parece incerto quanto à sua posição real em relação a questões críticas. Assim, muitas pessoas procuram maneiras de influenciar um presidente maleável e que tende a falar espontaneamente sobre ideias de improviso, dependendo da plateia que o esteja ouvindo.

    Falando reservadamente, seus assessores disseram que queriam que o discurso da terça-feira fosse mais otimista que o discurso de posse, em que Trump criticou por 18 minutos o que chamou de "carnificina americana" e o establishment que ele considerou culpado por ela. Ivanka Trump, filha do presidente, vem reservadamente manifestando preocupação há meses com o tom áspero do discurso de seu pai.

    Nenhum presidente americano nos tempos modernos compareceu para fazer seu primeiro discurso ao Congresso tendo índice de aprovação popular tão baixo –apenas 42%, segundo a sondagem Gallup mais recente. Seus 40 dias de corrida trôpega de uma crise a outra, muitas delas autogeradas, plantaram dúvidas profundas em relação à sua liderança, não apenas entre os democratas e independentes, mas mesmo entre muitos republicanos. O desafio que Trump tinha pela frente com o discurso da terça-feira era ultrapassar aqueles momentos e firmar-se como presidente.

    O processo de redação do discurso foi descrito por um funcionário sênior da administração como tendo sido "como uma sanfona", sendo esticado para incluir muitos colaboradores dentro e fora da administração e depois encolhido para abranger apenas algumas poucas pessoas. Além de Bannon e Miller, essas pessoas incluíram Vince Haley, um ex-assessor de Newt Gingrich, e o escritor conservador Mario Loyola, segundo dois funcionários seniores da administração. Outros assessores, como Kellyanne Conway, também participaram.

    Um funcionário disse que Trump assumiu o discurso como seu, de modo que não havia feito antes. Ele o ensaiou várias vezes, voltando a adaptar-se ao uso do teleprompter, algo com o qual ele nunca se sentiu totalmente à vontade. Trump foi ficando mais à vontade à medida que o tempo avançava.

    A imigração era uma área que ele evidentemente ainda estava tentando ajustar. Afinal, Trump nem sempre foi tão extremo em relação a esse ponto. Após a eleição de 2012, ele criticou Mitt Romney por defender o que chamou de "autodeportação", descrevendo isso como "uma política maluca" que custou a Romney o voto hispânico. Os democratas, disse Trump na época, não tinham uma política, "mas o que pesa a seu favor é que eles não são mesquinhos" em relação à imigração.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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