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    Com Trump, estrada pacata vira rota movimentada de saída dos EUA

    RICK ROJAS
    DO "NEW YORK TIMES", EM CHAMPLAIN, NOVA YORK

    08/03/2017 17h54

    Todd Heisler/The New York Times
    Mulher conforta o filho, enquanto o marido é algemado pela polícia por atravessar ilegalmente a fronteira
    Mulher conforta o filho, enquanto o marido é algemado pela polícia por atravessar ilegalmente a fronteira

    A Roxham Road é uma estrada rural pacata que sai de outra estrada secundária tranquila no campo, onde alguns cavalos mastigam feno seco e uma vala que acompanha o caminho enlameado está cheia de neve derretida.

    Ela passa por uma série de árvores secas, por meia dúzia de casas-trailers e depois de cerca de 800 metros dá com uma fileira de rochas e uma cerca enferrujada com a placa: "Estrada Fechada".

    Chris Crowningshiele dirige um táxi, esporadicamente, há 30 anos neste recanto no interior do Estado de Nova York conhecido como North Country. Ele vive ao sul daqui, em Plattsburgh, e sua renda geralmente vem de transportar estudantes de uma universidade estadual de lá ou buscar compradores em uma loja Walmart com sua minivan cinza. Mas nas últimas semanas os passageiros têm lhe pedido –duas, três, às vezes até sete vezes por dia– para levá-los ao final da Roxham Road.

    Ele os transporta no último trecho de sua jornada para sair dos EUA. Do outro lado daquela placa fica o Canadá. Autoridades de fronteira e profissionais de ajuda de lá dizem que houve um grande aumento no número de pessoas que cruzam ilegalmente, vindas dos EUA, nos meses desde que o presidente Donald Trump foi eleito.

    Muitas delas são naturais de países muçulmanos e pretendem pedir asilo. A Roxham Road, a uma curta distância de um grande cruzamento de fronteira na Rodovia Interestadual 87, tornou-se um dos mais movimentados pontos de entrada ilegal no Canadá.

    Crowningshiele apanha os passageiros em Plattsburgh, em geral no aeroporto ou no terminal rodoviário, e durante a viagem de 40 quilômetros para o norte já lhe contaram que tinham atravessado o país todo.

    Alguns eram migrantes do Iêmen ou da Turquia. Confidenciaram que tinham medo do que acontecia nos países que deixaram para trás –não apenas suas terras natais, mas agora também os EUA– e do que enfrentaram quando saíram do carro de Crowningshiele.

    "A gente imagina o que passa pela cabeça deles, sabe?", disse o motorista. Muitos passageiros eram famílias, com os pais carregando crianças e as poucas posses que conseguiram levar.

    "As pessoas apenas querem viver suas vidas", disse Crowningshiele, 48. "E não viver com medo."

    Devido à proximidade com o Canadá, as pessoas aqui sempre tiveram certa consciência do mundo além da fronteira. Uma estação de rádio de música pop de Montreal é captada com nitidez, e não é raro fazerem uma corrida até o outro lado para compras.

    Mas o fluxo constante de táxis que começou a trafegar pela Roxham Road os obrigou a encarar a vida na fronteira e as decisões tomadas em Washington de um modo totalmente novo.

    Esta não é exatamente a Terra de Trump. No Condado de Clinton, que inclui Champlain, Hillary Clinton superou Trump por 610 votos. Muitos moradores da Roxham Road disseram que não se dão o trabalho de votar e que acompanham a política o suficiente para sentir-se decepcionados, ou mesmo enojados.

    "Eu costumava desprezar tudo isso", disse Melissa Beshaw, cuja casa é a penúltima antes da fronteira. "Nunca liguei para política, até que esta estrada ficou famosa."

    Como alguns outros, ela rapidamente atribuiu a culpa a Trump. Os defensores da imigração no Canadá disseram que os motivos da fuga são mais complexos: o decreto do presidente sobre imigração, firmado em janeiro, que afeta países de maioria muçulmana, certamente foi um fator, mas também a frustração com o processo de imigração em geral e a preocupação com o discurso antimuçulmano.

    Os migrantes chegam a lugares como Roxham Road não porque querem se esgueirar pela fronteira; a expectativa é cair diretamente nos braços das autoridades canadenses. Um acordo entre os EUA e o Canadá torna virtualmente impossível para eles pedir asilo em um posto de fronteira oficial; as autoridades canadenses teriam de devolvê-los imediatamente. Mas um detalhe técnico permite que eles contornem o acordo se pisarem ilegalmente no país.

    "Quando eles são presos, já estão em solo canadense", disse Jean-Sébastien Boudreault, presidente da Associação de Advogados de Imigração de Quebec. "Então temos de permitir que façam uma declaração de refugiado."

    Todd Heisler/The New York Times
    Família turca cruza a fronteira do Canadá pelo estado norte-americano de Nova York, em Champlain, em busca de asilo
    Família turca cruza a fronteira do Canadá pelo estado norte-americano de Nova York, em Champlain, em busca de asilo

    Pouco depois de uma chuva fina em uma tarde recente, um carro Prius azul com uma placa de táxi colocada na capota se aproximou da fronteira.

    Um casal desceu. Ele carregava uma mochila, um saco de dormir e várias sacolas de compras. Ela levava um menino. O casal não quis falar com o repórter, mas o marido disse que eram turcos.

    A família foi a segunda avistada naquele dia chegando à Roxham Road, e depois vieram pelo menos mais dois táxis. Pela contagem dos moradores da estrada, foi um dia calmo. Quase 20 pessoas tinham vindo na véspera.

    Quando a família se aproximou da fronteira, um membro da Polícia Montada Real do Canadá lhes informou que não era legal entrar por ali. Se continuassem seriam presos, disse.

    "Peço desculpas por isto", respondeu o homem, com a voz vacilante. "Mas tenho de infringir suas regras." Ele fez uma pausa. "Desculpe."

    O casal saltou o córrego que separa os dois países. O policial canadense pegou gentilmente o braço esquerdo da mulher, enquanto ela segurava o filho com o direito, e a ajudou a subir.

    Advogados disseram que famílias como essa geralmente são levadas aos escritórios de imigração no posto de fronteira mais próximo, onde podem oficialmente pedir asilo. Se eles tiverem identificação e não representarem aparentemente uma ameaça à segurança, disseram os advogados, em geral são liberados e ganham uma passagem de ônibus até Montreal, onde esperam por uma audiência sobre sua condição de refugiados. Muitos estão hospedados na Associação Cristã de Moços lá.

    As travessias, apesar de serem carregadas de emoção, acontecem rapidamente e podem parecer quase banais, ocorrendo diversas vezes por dia nas últimas semanas.

    Tony George Hogle mora na Roxham Road há quase 25 anos, quando ainda era um simples caminho de terra. Ele disse que anos atrás a estrada foi uma travessia de fronteira oficial.

    Sem dúvida ele notou o recente aumento de tráfego. Viu pessoas serem deixadas no cruzamento, sendo obrigadas a arrastar suas malas por 1,5 quilômetro pela neve. Ele disse que tem apneia do sono, que o mantém acordado, e viu táxis passando devagar pela estrada de madrugada.

    Hogle não votou em novembro e disse que "desconfia" de Trump. Em certas coisas, porém, diz que o presidente está "se saindo bem".

    As promessas de campanha de Trump sobre a economia e recuperar os empregos tiveram certo apelo. Há alguns empregos por aqui, a maioria em armazéns, disse Hogle, mas ele desejava que fossem melhor remunerados.

    Ele foi motorista de empilhadeira em um armazém antes que um problema médico o deixasse incapacitado. Sua mulher trabalha em um posto de gasolina e em uma loja.

    "Acho que ele está fazendo o que prometeu", disse Hogle, 54, sobre Trump. "É um homem de palavra."

    Ele entendeu os motivos do presidente para aplicar suas políticas migratórias, mas a situação que vê o fez questionar "o modo como pôs isso em prática".

    "Posso entender o ponto de vista dele", disse Hogle. "Está tentando proteger os EUA. É difícil. Alguns são bons. Nem todo mundo é mau. Assim como os brancos –tem os bons e os ruins. Deve haver algo melhor que isso."

    Do outro lado da rua, Matthew Turner disse que a chegada de pessoas é perturbadora. "Não estou gostando disso", afirmou sobre os cruzamentos na fronteira, "mas definitivamente não posso culpá-los." Ele recentemente descobriu que o cadeado em seu paiol foi forçado e temeu que a segurança na fronteira não seja suficiente.

    "Eu costumava caçar ao longo da fronteira", disse Parker Cashman, que estava na casa de Turner, "e há vários lugares onde é muito fácil atravessar."

    "Talvez seja necessário construir um muro!", replicou Turner, brincando. "E que o Canadá pague por ele!"

    Traduzido por LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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