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    análise

    Holanda dá o tom para a reta final da campanha eleitoral na França

    MATHIAS DE ALENCASTRO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/03/2017 02h00

    As legislativas na Holanda da semana passada marcam o início de uma sequência eleitoral que pode definir o futuro da União Europeia.

    Franceses, alemães e provavelmente italianos irão às urnas até o final do ano, em plena ascensão dos partidos eurocéticos e de negociações conclusivas para a saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado "brexit".

    Quando todos esperavam uma confirmação da propalada escalada dos movimentos populistas, a extrema direita, liderada pelo excêntrico Geert Wilders (PVV), teve desempenho abaixo das expectativas. Mas essa é apenas uma parte da história.

    A outra parte, talvez mais intrigante, é a constatação do estado cadavérico dos partidos social-democratas europeus, com os votos da esquerda se dispersando entre trabalhistas, liberais e verdes. Entrementes, o VVD, de centro-direita, adotou a linguagem de Wilders, mostrando, mais uma vez, que a extrema direita tem força para influenciar governos sem necessariamente chegar ao poder.

    As três tendências que emergiram na Holanda —desempenho decepcionante dos populistas, colapso da social-democracia e radicalização da centro-direita— são perceptíveis na campanha para as presidenciais francesas.

    Pascal Pavani - 9.mar.2017/AFP
    A candidata à Presidência da França pela Frente Nacional, Marine Le Pen, em comício em Miranda
    A candidata à Presidência da França pela Frente Nacional, Marine Le Pen, em comício em Miranda

    O debate desta segunda-feira (20) entre os cinco principais candidatos vai servir de largada para a reta final, com o primeiro turno das eleições no dia 23 de abril.

    Marine Le Pen, da Frente Nacional, continua sem perspectivas de obter votos para vencer o segundo turno.

    Benoît Hamon, vencedor inesperado das prévias do Partido Socialista depois de prometer inflexão à esquerda, atravessa a campanha num constrangedor anonimato.

    E François Fillon, candidato da centro-direita que apostou tudo numa retórica incendiária para desviar a atenção dos escândalos que o assolam, acabou alienando grande parte do seu eleitorado.

    O beneficiário dessas três tendências é Emmanuel Macron, 38, na corrida pelo recém-criado movimento En Marche!. Pode-se dizer que ele tem seguido a estratégia do "coração à esquerda, carteira à direita". Aliando agenda progressista nas questões sociais a uma política econômica liberal, Macron ocupou o espaço no centro deixado vazio por Hamon e Fillon.

    Contudo, os ativos eleitorais de Macron o tornam particularmente vulnerável aos ataques de Le Pen. Afinal, ela tem como cavalos de batalha a colusão entre os partidos tradicionais, o abandono da soberania nacional e a onipotência do sistema financeiro; queixa, aliás, acompanhada de fortes tons antissemitas.

    Ora, Macron, ex-banqueiro e ministro de um governo socialista, francamente europeísta, é a encarnação desse sistema que a Frente Nacional adora detestar.

    Nesse contexto, a disputa contra Macron permitiria a Le Pen armar o debate do segundo turno como uma batalha entre o povo e o establishment político francês e europeu.

    A mesma receita que a extrema direita britânica aplicou no plebiscito sobre o "brexit" no ano passado, com o sucesso desastroso que conhecemos.

    MATHIAS DE ALENCASTRO é doutor em ciência política na Universidade Oxford

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