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    Não senti mudanças na segurança, diz sobrevivente de ataque em Bruxelas

    DANIEL AVELAR
    DE SÃO PAULO

    22/03/2017 02h00

    David Crunelle - 22.mar.2016/Twitter
    Uma das fotos tiradas por David Crunelle logo após o ataque ao aeroporto de Zaventem, na Bélgica
    Uma das fotos tiradas por David Crunelle logo após o ataque ao aeroporto de Zaventem, na Bélgica

    RESUMO O belga David Crunelle, 37, estava no aeroporto de Bruxelas no momento em que dois homens-bomba se explodiram, no dia 22 de março de 2016. Protegido por uma parede, escapou da morte.

    Diretor de arte e fotógrafo, ele registrou o pânico dos sobreviventes, e suas imagens foram divulgadas pelos principais meios de comunicação do mundo. Um ano depois, Crunelle continua morando em Bruxelas.

    *

    Ainda me lembro de cada segundo daquele dia. Cada detalhe, cada rosto que eu vi, as pessoas com quem conversei, tudo está gravado na memória. Penso nisso todos os dias.

    Cheguei de táxi ao aeroporto de Bruxelas, onde embarcaria em um voo a trabalho para o Japão. Estava diante do guichê da Etihad Airways (o voo tinha conexão em Abu Dhabi), aguardando na fila para fazer check-in.

    Arquivo Pessoal
    Sobrevivente dos atentados de Bruxelas, David Crunelle diz não ter visto diferença na segurança
    Sobrevivente dos atentados de Bruxelas, David Crunelle diz não ter visto diferença na segurança

    Às 7h59, veio a primeira explosão. O local em que eu estava fica separado por uma parede da área de passageiros com voos para os EUA, onde os homens-bomba se explodiram. Essa parede me salvou.

    Alguns metros à minha frente, uma mulher que não estava protegida pela parede foi jogada para longe com o deslocamento de ar e ficou ferida, mas conseguiu sair.

    Poucos segundos depois, ocorreu a segunda explosão. Senti um zumbido nos tímpanos, uma dor forte no ouvido, mas só isso. Eu estava vivo.

    Sabia que aquilo era um atentado e só pensei que precisava registrar tudo para explicar depois o que havia acontecido. Para isso, eu tive que me desconectar emocionalmente da situação.

    Logo após o ataque, publiquei no Twitter a seguinte mensagem: "Duas explosões no aeroporto de Bruxelas".

    Enquanto saía do saguão, fotografei e filmei os demais sobreviventes. Uns caminhavam, outros estavam muito ensanguentados e se examinavam para saber onde estavam feridos.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Vi seis ou sete pessoas caídas no chão, não sei se estavam mortas, mas preferi não fotografá-las. Já no estacionamento, ficamos esperando alguma orientação. Passaram-se uns 20 minutos até que chegasse a primeira ambulância.

    Às 8h20, recebi uma ligação de um meio de comunicação. Foi a primeira chamada das muitas, por vezes invasivas, que recebi naquele dia à procura de imagens e entrevistas. Naquele momento, percebi que os jornalistas não tinham nenhuma informação além do que eu estava relatando para eles.

    Um amigo me enviou uma mensagem às 9h10, avisando da explosão na estação de metrô Maelbeek.

    Pouco depois, policiais vieram alertar os sobreviventes no aeroporto a não usarmos transporte público para ir embora. O estacionamento também estava fechado, então tivemos que sair dali caminhando no meio da estrada com nossas malas. Segui tirando fotos.

    Andamos por uns 500 metros até um ginásio em Zaventem, a pequena cidade vizinha a Bruxelas onde fica o aeroporto. Moradores se solidarizaram conosco e nos serviram chá e café.

    De lá, pedi que um primo me levasse para casa. Cheguei às 14h30, mas só consegui comer algo às 23h. Passei o dia vendo tudo sobre o atentado, e, à noite, dormi mal.

    Voltei ao aeroporto novamente em 10 de abril, menos de três semanas depois dos ataques, para pegar um voo. Eu precisava voltar para lá para evitar ficar paranoico com a situação.

    O aeroporto tinha acabado de reabrir e dava para perceber a bagunça organizacional em que estava. De alguma forma, isso me ajudou a concentrar nos aspectos práticos da viagem em vez de ficar revivendo aquela experiência horrorosa.

    Desde os ataques, meu dia a dia não mudou muito. Eu ainda moro em Bruxelas e não percebi mudanças em relação à segurança na cidade.

    Nós já tínhamos soldados no metrô antes dos ataques. Naquele dia mesmo havia soldados na entrada do aeroporto, e eles foram inúteis em evitar as explosões.

    Na minha opinião, ver soldados e policiais nas ruas não ajuda ninguém a se sentir mais seguro.

    Os atentados tampouco parecem ter afetado a política na Bélgica. Diferente de países como França e Holanda, nós não temos grupos relevantes de extrema direita que pudessem transformar seu ódio a muçulmanos em capital político.

    Surgiram, de fato, alguns debates locais com relação à integração na Bélgica. Essa questão é controversa, pois, para mim, os muçulmanos que vivem aqui são belgas, antes de tudo.

    Veja o vídeo

    Alguns muçulmanos podem ter sido alvo de retaliação após os ataques, mas a verdade é que a comunidade islâmica na Bélgica já vinha sofrendo uma discriminação bem antes daquele 22 de março. Essa é uma das razões que levaram alguns jovens belgas que moravam em Bruxelas e tiveram o mesmo currículo escolar que eu a decidir se explodir num aeroporto.

    Eu entendo que tive muita sorte naquele dia, especialmente sabendo que tudo poderia ter acabado de um segundo para o outro.

    Não me considero traumatizado, nem mesmo uma vítima. Esses eventos nos fazem perceber o que é importante e o que não é. Um ano depois, posso dizer que "aproveito" mais a vida e que evito empurrar as coisas com a barriga até que seja tarde demais.

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