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    Impune, deputado afegão ataca rivais a tiros e assusta moradores de Cabul

    ROD NORDLAND
    JAWAD SUKHANYAR
    DO "NEW YORK TIMES", EM CABUL

    22/03/2017 07h00

    O som forte de tiros ecoou pela Darulaman Road, nas proximidades do Parlamento e da residência particular do presidente Ashraf Ghani, durante mais de uma hora no início da madrugada de sexta-feira (17).

    Unidades de polícia se mobilizaram e correram para a região. Shakaba Hashimi, que estava acordada até tarde ajudando seus filhos para os exames da universidade, tinha certeza de que eram militantes do grupo armado Taleban. "Pensei: 'Meu Deus, mais um ataque na área'", disse ela.

    Shah Marai - 8.mar.2017/AFP
    Soldados do Exército patrulham hospital militar de Cabul após ataque da facção Estado Islâmico
    Soldados do Exército patrulham hospital militar de Cabul após ataque da facção Estado Islâmico

    A metade da cidade parecia sentir o mesmo medo, enquanto os moradores sonolentos acessavam as redes sociais para dar notícias do tiroteio que se deslocava pela cidade.

    Horas depois, a polícia de Cabul admitiu timidamente que foi apenas um figurão do governo em mais um surto de embriaguez. Neste caso, o culpado seria Lalai Hamidzai, um deputado que já liderou a Comissão de Justiça da Câmara.

    O chefe de polícia de Cabul, major-general Hassan Shah Frogh, disse que Hamidzai estava bêbado, tinha percorrido a cidade atrás de alguém que o havia enfurecido e acabou disparando contra o hotel onde seu perseguido se havia refugiado. Depois, tentando disfarçar, ele disparou para o ar em sua própria casa, a alguns quilômetros de distância, para fingir que havia sido atacado, disse Frogh.

    Hamidzai evitou a acusação de embriaguez dizendo em uma postagem em uma rede social que um policial no local estava embriagado e que o agente era um ladrão armado que ia atacá-lo.

    Logo foram divulgados vídeos de câmeras de segurança mostrando Hamidzai olhando ao redor e atirando contra o portão do hotel, enquanto seus seguidores disparavam armas automáticas para o ar e sobre os muros. Hamidzai insistiu que as gravações foram forjadas, mas a polícia disse que são verdadeiras.

    As detenções nesses casos são raras, porque os responsáveis geralmente têm aliados poderosos no governo e as autoridades relutam em acusar seus guarda-costas, que atuam como pequenas milícias. Ninguém foi preso no episódio que envolveu o deputado, mas um porta-voz da polícia, Abdul Basir Mujahid, disse que há uma investigação em andamento.

    No sábado (18), os filhos de outro parlamentar, Zaheer Sadat, um médico do vale do Panjshir que tem um histórico de brigas, trocaram tiros com os filhos do vizinho.

    Os adultos das duas casas dispararam uns contra os outros com armas automáticas, segundo o general Salem Almas, chefe da Divisão de Investigação Criminal da polícia de Cabul. Cinco pessoas ficaram feridas, disse ele.

    Sadat não estava presente no tiroteio de sábado, segundo a polícia. Mas em novembro de 2015, quando seu comboio foi parado pela polícia, seus guarda-costas espancaram gravemente três policiais, segundo o órgão. Ele disse que os policiais haviam tentado atacá-lo; para a polícia, ele simplesmente ficou irritado por ser interpelado.

    "Ninguém está acima da lei", disse Mirdad Nejrabi, chefe da Comissão de Defesa Interna do Parlamento. "Ser um parlamentar não significa que a pessoa tenha imunidade para fazer o que quiser, perturbando a lei e a ordem."

    ESPANCAMENTO

    Há pouco mais de uma semana, um cunhado e um sócio de Hamidzai foram parados pela polícia enquanto dirigiam embriagados pela cidade, segundo um policial que falou sob a condição de anonimato por temer ser demitido por discutir o caso.

    Eles espancaram os policiais e o comandante de polícia da área que tentou intervir, segundo o policial.

    Autoridades de segurança graduadas também foram acusadas de perturbar a paz em Cabul. Em janeiro, o chefe da Guarnição de Cabul, tenente-general Gul Nabi Ahmadzai, e seus homens foram acusados de disparar tiros aleatoriamente depois que seu filho ficou noivo. O tiroteio foi tão intenso que muitos na cidade pensaram que estivesse havendo um ataque terrorista.

    No ano passado, o governo colocou a Guarnição de Cabul a cargo da segurança da cidade, com Ahmadzai se sobrepondo ao chefe de polícia. Ao fazê-lo, ele citou o maior nível de profissionalismo da unidade desde que militares australianos treinaram e assessoraram seu comando, no ano passado.

    O deputado não foi encontrado pela reportagem, mas um assessor que atendeu ao telefone em seu escritório disse: "Quem não atira para o ar no Afeganistão? Todo mundo faz isso".

    Há muito tempo existe uma cultura de impunidade entre os políticos afegãos, mas o fraco governo de coalizão a agravou muito.

    Conforme aumenta a frequência desses episódios, os policiais cansados revidam com denúncias em público. Em uma entrevista, Almas, o chefe da Unidade de Investigação Criminal, desmentiu as afirmações de Hamidzai de que as gravações do tiroteio no hotel foram forjadas.

    Almas disse que estava no local na noite de sexta-feira tentando convencer Hamidzai, bêbado, a se acalmar e parar de atirar. "Nós temos a prova", disse Almas. "Ele não pode negar nada."

    Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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